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Delito de Opinião

Já só lhe falta usar gravata

Pedro Correia, 21.09.15

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A vitória de Alexis Tsipras nas legislativas de ontem na Grécia foi acolhida de forma muito diferente da que ocorreu a 25 de Janeiro, data da eleição anterior. Desta vez não houve manchetes eufóricas, proclamações festivas dos comentadores "isentos" nem a ridícula elevação do dirigente da esquerda radical grega ao estatuto de novo messias capaz de pôr fim às políticas de austeridade na Europa com a sua retórica populista.

Tsipras voltou a vencer - com menos um ponto percentual e menos quatro deputados do que há oito meses - num escrutínio marcado pelo galopante avanço da abstenção: 45% dos eleitores gregos viraram desta vez costas às urnas, quando em Janeiro esta percentagem se tinha quedado nos 34%. E acaba de revalidar a coligação com o partido da direita nacionalista e xenófoba Gregos Independentes que lhe tem servido de bengala. Beneficia do insólito bónus de 50 deputados propiciado pela lei eleitoral helénica ao partido vencedor (que tanto criticou quando estava na oposição) e da irrisória percentagem obtida pela ala fraccionista do Syriza, reunida em torno da Unidade Popular, uma nova formação de extrema-esquerda a que nem o ex-ministro Yanis Varoufakis conseguiu dar alento.

 

Desta vez as rolhas de espumante mantiveram-se nas garrafas. Percebe-se porquê. Tsipras rasgou o "inegociável" Programa de Salónica, que lhe serviu de bússola para se apresentar às urnas há oito meses com proclamações "anti-austeridade" contra uma União Europeia "dominada pela especulação financeira". Desse programa constava a suspensão unilateral do pagamento da dívida grega, o aumento do salário mínimo de 580 para 751 euros, um vasto pacote de nacionalizações, o alargamento dos quadros da administração pública e a redução da carga fiscal, entre outras medidas que chocavam com o Tratado Orçamental subscrito por Atenas.

Sabe-se o que aconteceu depois. A 5 de Julho, a coligação esquerdodireitista convocou um plebiscito-relâmpago que rejeitou as normas de contenção financeira ditadas por Bruxelas. Dias depois, no entanto, o primeiro-ministro aceitou um conjunto de medidas ainda mais severas, que enterravam de vez o programa eleitoral do Syriza. Medidas que incluíram um corte drástico de pensões (entre 30% e 70%), o aumento de impostos como o IVA e um amplo programa de privatizações de empresas estatais.

 

O Tsipras de Setembro nada tem a ver com o Tsipras de Janeiro: confrontado com um iminente cenário de bancarrota e a perspectiva de colapso do sistema financeiro, conduziu a Grécia ao terceiro resgate externo de emergência em cinco anos, recebendo um cheque de 86 mil milhões de euros cuja aplicação será escrutinada até ao último cêntimo pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu. Na melhor das hipóteses, resta-lhe ser o Passos Coelho helénico na legislatura que vai seguir-se, forçando os gregos ao maior aperto de cinto de que há memória.

Bastaram oito meses para silenciar os hossanas ao antigo herói da esquerda radical, agora forçado a praticar políticas decalcadas de qualquer cartilha "neoliberal". Já nada me espanta. Nem me surpreenderia até que um dia destes víssemos Tsipras de gravata.

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