Isabel II em Maputo
Em Novembro de 1999 Isabel II visitou Maputo (aqui uma breve descrição no The Guardian), uma breve estada de umas horas, que culminava uma viagem a África enquanto cabecilha da Commonwealth. Esta passagem por Moçambique foi recebida como facto de grande relevância política, e era fruto da grande competência diplomática existente durante a presidência de Joaquim Chissano. Pois não só aquela viagem ao continente tinha apenas três escalas - o simbólico Gana, a primeira colónia africana que se tornara independente, e a então simbólica e tão poderosa África do Sul de Mandela eram as outras - mas também porque o país vivia um agitado processo eleitoral, então já em rescaldo. Enfim, a presença de Isabel II era um triunfo diplomático e um trunfo político.
Para mim tinha o interesse acrescentado de ver as reacções apatetadas de algum funcionalismo lisboeta - friso o "algum", pois o sentimento não era universal - e da rústica imprensa que atentava sobre África, pequenos universos onde então eclodiu um ridículo sentimento de verdadeira indignação sussurrada, como se Portugal sofresse ali um segundo "ultimatum"... De facto, Moçambique aderira quatro anos antes à Commonwealth, passo então inédito pois tratou-se do primeiro país que não fora colónia britânica a integrar aquela organização - o que se veio a tornar algo habitual, pois pelo menos Ruanda, Gabão e Togo vieram a aderir -, em mais uma mostra da sageza diplomática de Chissano. Mas para aquela alguma "lisboa" funcionária e para a desengonçada imprensa, em plena era de constituição da CPLP (formalizada em 1995) e do propagandear da "comunhão" assente na "lusofonia", então muito em voga, a adesão do país à Commonwealth e, depois, esta inusitada visita da monarca britânica eram sentidas como uma perda... "Vai Moçambique optar pelo inglês como língua oficial?", perguntavam-me amiúde - enfim, o Ruanda viria a dar esse passo uma década depois, mas uma opção política devida a um contexto muito diferente.
Daquela visita só tenho uma memória. Não posso afiançar que seja verdadeira, apenas ecoarei o que então me foi contado alguns dias depois por um diplomata britânico durante a inauguração de uma exposição. E é não só muito plausível como denotativa da mundividência da casa real britânica, por isso aqui a reproduzo, com um sorriso... E crente de que "se non è vero, è ben trovato"..
A visita foi muito curta, verdadeiramente de carácter simbólico. Isabel II e sua comitiva iam a Maputo almoçar e seguiriam de imediato, a meio da tarde, rumo a Londres. Aterraram em Maputo cerca do meio-dia, provenientes de Joanesburgo (um vôo de 45 minutos). Em Mavalane tiveram uma breve cerimónia de recepção, seguiram para o Hotel Polana (ex-libris da cidade e edifício que tinha ainda traços do "british colonial" - os quais posteriormente foram sendo algo apaquistanados). Aí a rainha mudou de traje (nota-se nas fotografias), numa brevíssima estada. Entretanto a comitiva esperava no hall, pois seguiriam para um banquete oferecido por Chissano no palácio da Ponta Vermelha, a cerca de um quilómetro. Os carros da comitiva estavam enfileirados na parque de estacionamento da entrada do hotel e estacionado mesmo à porta estava, obviamente, o veículo que transportaria a rainha e o príncipe de Edimburgo, Filipe. Logo atrás o carro onde viajava o meu narrador... À frente, estava o "batalhão" de guardas motorizados, a escolta sempre presente nas comitivas presidenciais, destinada à segurança e a fazer abrir alas no trânsito.
Às treze horas exactas, como estava planeado, Isabel II e Filipe saíram dos seus aposentos e entraram no carro para seguirem à Ponta Vermelha, e toda a restante comitiva o fez também, consoante as precedências e regras securitárias. Mas a escolta policial não tinha ainda ordens radiofónicas para avançar, havia um qualquer atraso. E ali ficaram todos esperando que o protocolo moçambicano comunicasse a autorização de marcha. E assim continuaram. De súbito o príncipe Filipe saiu do carro, "muito alto, magro, de dedo em riste, irado" dizia o diplomata narrador, passados dias ainda angustiado - talvez até temendo os custos que aquilo viria a ter no seu futuro a curto e médio prazo - avançando para os polícias e suas motos e clamando: "ou avançamos já ou seguimos directos para o aeroporto". E de imediato houve a ordem para avançar.
A espera tinha sido de... dois minutos!, concluía o diplomata, pondo a mão na testa e meneando a cabeça. E nós sorríamos...