Instituto do Abuso Legal
No blogue de uma amiga unilateral (isto é, eu gosto dela, que não retribui desde que confessou que não estava mais disposta a tolerar os meus “sarcasmos” – olha logo eu que sou tão contido nas palavras) tomei conhecimento desta publicação no Facebook de João Sedas Nunes, que não conheço, a respeito da mãe, a escritora Maria Velho da Costa.
A história é escandalosa e João, que a narra contidamente mas com mágoa, diz a certo passo:
“Trago isto a público (enfim, tanto quanto este estaminé é público), não para demandar reparação (ou pedido de desculpas), mas para contribuir para a tomada de consciência de uma forma extrema de desrespeito que dificilmente pode ser ‘compreendida’ sem invocar a impunidade do funcionário que, investido de um poder de Estado, não presta verdadeiramente contas a ninguém”.
Se exigisse desculpas, não duvido que o director do estabelecimento as prestasse – a falecida não era uma pessoa qualquer. E acredito que não era impossível que, se houvesse um regulamento qualquer para garantir que estas coisas não sucedem, mandaria “abrir um inquérito”.
Do resultado do inquérito, que de todo o modo levaria um ror de tempo, ninguém ouviria falar; se concluísse pela culpa de alguém a sanção seria levíssima, senão o director teria os sindicatos à perna, e por certo quereria preservar um bom ambiente de trabalho; e se não existisse regulamento nenhum, ou o homem encarregava alguém de fazer uma moxinifada que ninguém iria ler e menos ainda cumprir ou faria uma circular para os destinatários encolherem os ombros e o autor ficar com a satisfação do dever cumprido.
Gente profunda dirá que isto é um problema cultural. Mas não é, por ser um de impunidade. A mesma impunidade e o mesmo desprezo com que a sinistra figura do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais declarava há dias, sob pressão da Provedoria do Cidadão, que “não deixa de haver preocupação de conjugar o fim da suspensão do processo executivo comum com este entendimento, de forma a salvaguardar os interesses do Estado”, isto para justificar a falta de cumprimento da lei por parte do departamento do qual é Inquisidor-geral.
Claro que este enxerto da prepotência inquisitorial fiscal, comparando-a com uma história triste, que merece respeito, não será propriamente muito elegante da minha parte. Mas elegância não é exactamente a minha qualidade mais saliente num longo rosário delas; paciência e contenção também não – só contaria a história no Facebook depois de, não obtendo satisfação, ter tratado a direcção do Instituto de Medicina Legal, não com os sarcasmos de que se queixava a Joana Lopes, mas abaixo de cão.