Insensibilidade e mau gosto
Já não falo da ética da responsabilidade, a que alguns - de forma mais restritiva - preferem chamar ética republicana. Cada um faz a interpretação deste princípio de acordo com a sua formação e a sua consciência.
Até dentro da mesma maioria política há discrepâncias nesta matéria. Em 2001, por exemplo, Jorge Coelho renunciou dignamente à pasta ministerial que ocupava quando ocorreu a tragédia de Entre-os-Rios alegando que a culpa não podia morrer solteira. O País, mergulhado em estado de choque, compreendeu bem o que este gesto e estas palavras significavam.
Constança Urbano de Sousa, titular da Administração Interna, tem um entendimento muito diferente da ética da responsabilidade: a culpa, para esta ministra, é sempre de terceiros.
Foi assim na tragédia de Pedrógão, está a ser assim neste novo drama em que Portugal mergulhou desde ontem pela mesmíssima causa, agora alastrada a dois terços do País, como se nada tivéssemos aprendido com o que aconteceu há quatro meses e as 65 vítimas mortais desse fatídico 17 de Junho tivessem morrido em vão.
A ministra tem, pois, o direito de se manter agarrada ao umbral da porta do seu gabinete no Terreiro do Paço, por mais evidente que seja a sua falta de competência para o exercício do cargo que ainda ocupa. Não tem é o direito de insultar os portugueses - e, desde logo, os familiares das vítimas dos fogos - ao queixar-se publicamente, enquanto Portugal arde, de não ter gozado férias neste Verão. Por revelar uma insensibilidade chocante e um mau gosto inadmissível em qualquer titular de um cargo político.
Se o primeiro-ministro for incapaz de lhe transmitir isto, espero ao menos que o Presidente da República não perca a oportunidade de dizer com franqueza ao chefe do Governo que esta ministra está a mais no elenco governativo e deve portanto ir enfim de férias. Muito prolongadas.