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Delito de Opinião

In memoriam da Covid

José Meireles Graça, 12.05.21

A menos que apareçam por aí umas variantes mais perigosas, para grande alegria da comunicação social que corre sérios riscos de, para não investigar coisa alguma, ser obrigada novamente ao recurso de atordoar o número decrescente de leitores com as alterações climáticas e outras tretas milenaristas sortidas, a Covid já era.

Já era e agora que as vacinas, apesar de todos os tropeços, estão a ser difundidas ainda mais do que os disparates em torno deste assunto, é que já se pode fazer um balanço tentativo:

  • Conforme foi assinalado por uns originais a início, a doença é relativamente benigna: desde o princípio morreram menos de 0,2% dos habitantes em Portugal e bastante menos no resto do mundo. Mesmo que se continuem a somar, mais de um ano decorrido, mortos, e se a compare com outras doenças contagiosas, tinham razão aqueles que desvalorizaram a imaginária tragédia, que só o acabou por ser por causa do pânico que se espalhou pelo mundo e a consequente mobilização quase exclusiva dos sistemas de saúde, desprezando o tratamento de outras doenças, bem como o dano económico das medidas, cretinas umas, histéricas outras, e arbitrárias muitas;
  • As ditaduras, a começar pela China, deram muito melhor conta de si a lidar com o problema porque impuseram medidas radicais desde início, para acéfala inveja das democracias. A dificuldade de tratar os cidadãos como gado é porém um sintoma de superioridade civilizacional e não o contrário. Lidar com a criminalidade costuma ser mais fácil em ditaduras porque o mesmo aparelho que serve para garantir a sobrevivência do ditador também serve para conter o crime, o que não significa que devamos viver em ditadura. Com a Covid é, e foi, igual;
  • A democracia é, mesmo naqueles raros países que a têm no código genético, como o Reino Unido e os EUA, frágil: basta que uma mistura de comportamento de manada induzido por uma comunicação social que esqueceu o seu antigo papel de contra-poder, a ignorância, a insensatez, o oportunismo dos responsáveis políticos e a petulância de cientistas (com aspas a maior parte deles, e entre nós alguns, em especial matemáticos, claramente idiotas sábios) subitamente promovidos a uma notoriedade que os deslumbra, para se pontapearem direitos básicos como o da liberdade de circulação, o da propriedade, o de não ser preso sem culpa formada e sobretudo o da livre expressão da opinião, fortemente condicionada na prática pelo silenciamento factual de vozes dissonantes;
  • A Natureza tem horror ao vácuo, disse Aristóteles, e almas ingénuas como a minha acreditavam que na política era igual: há sempre um partido para patrocinar causas minoritárias. Engano: nenhum defendeu consistentemente direitos constitucionalmente garantidos, nem um princípio cautelar nas medidas, isto é, se não eram piores as emendas que os sonetos. Já o nosso endividamento estelar e a certeza de que o que gastamos com dívidas que acumulamos será pago mais à frente contou com a completa omissão nas notícias e nas decisões menos do que deveria;
  • A famosa classe média, que espíritos agudos acham entre nós uma criação do Estado, distinguiu-se por um entranhado amor a todas as medidas, e um equivalente ódio a quem as contestasse; e as autoridades puderam sempre contar com um esquadrão de bufos disponíveis para acusar o vizinho de ter mais gente em casa do que lhe era permitido, o boteco ou estabelecimento da zona que desesperadamente tentava sobreviver aceitando clientes e o cidadão anti-social que ou não fazia gala de andar açaimado, ou se passeava a mais de xis metros da sua residência, ou ia à praia, ou, ou, ou.
  • Não é que tivesse sido surpresa, mas a casta dos funcionários públicos não foi nem ao de leve beliscada no seu privilégio de não ser despedida, ver o seu rendimento intocado mesmo não trabalhando, ou fazendo-o à distância, que é uma porta aberta para que todo o preguiçoso se pendure na improdutividade sem penalização. É esta casta, mais a dos pensionistas, estes legitimamente assustados pela incidência da doença sobretudo nos mais velhos, que constituiu o exército de choque do apoio ao reforço da estatização, consistente, entre muitas outros sintomas, na ridícula deificação de funcionários que se distinguiram pela sua patente mediocridade palavrosa, como a patética avozinha da Nação, Graça Freitas;
  • As polícias comportaram-se sempre do modo que todas as polícias sempre se comportam em todos os regimes que atropelam direitos de cidadania: manda quem pode e obedece quem não deve. Disto fica um lastro – os agentes habituaram-se ao exercício da autoridade sem medida, porque quem pode o mais pode o menos; e o recurso à supervisão dos tribunais, que quando foram chamados decidiram quase sempre a favor do cidadão, foi limitado na prática pelo incómodo e pelo custo;
  • A Presidência da República, no seu papel de garante da Constituição, falhou: Marcelo nunca garantiu mais nada do que a sua popularidade, e portanto ficou a saber quem não sabia que só se pode contar com ele para reforçar a ditadura da maioria. Isto para não falar da sua miserável hipocondria, um detalhe anedótico como quase tudo na personagem;
  • Os partidos falharam: aqueles que esboçaram reacção, isto é, o PCP, a IL e o Chega, foram peados o primeiro pelo seu desconforto a desconsiderar o Estado, o segundo pelo medo de perder o eleitorado de que necessita para crescer e o último pelo reflexo condicionado de defender o papel das polícias; o PS é a tropa de choque cega do rebotalho que pastoreia a grei; e os outros foram iguais a si próprios, com perdão da injúria;
  • A comunicação social falhou: hoje os jornalistas, não se sabe se pela formatação que lhes dá a formação de que estão albardados, se pela escassez de meios que os impede de fazerem trabalho sério (no intervalo de espremer as espinhas e tratar da acne), se pela dependência de subsídios, se pela concorrência das redes sociais gratuitas, ou por uma conjugação de tudo isto, demitiram-se do seu papel fiscalizador do Poder e adoptaram o de câmara de eco dele, mais o de gurus da opinião, para cujo desempenho geralmente nem têm conhecimentos, nem autoridade, nem gramática;
  • Finalmente, uma triste sequela da Covid é a legislação abjecta que a União Europeia primeiro, e a nossa Assembleia da República depois, acabam de parir, cavalgando oportunisticamente a maré da confiança no Estado e no burocrata autoritário que, um pouco por toda a parte, e entre nós paroxisticamente, o povoa. Sinal dos tempos: a AR, que na pomposa formulação oficial é a casa da democracia, salientou-se como a casa do controlo do pensamento das pessoas que desalinham da verdade oficial. E, com a abstenção do PCP e o seu alter-ego PEV, Chega e IL, estes ficaram a merecer, se ainda delas não eram objecto, reservas, e os restantes o desprezo das pessoas, sem dúvida poucas, que não sejam ovinos. A isto voltarei, quando conhecer integralmente a Lei e não o que dela dizem terceiros, se um dos novos censores que virá reforçar a ERC não se encarregar entretanto de patrulhar a blogosfera para “proteger a sociedade contra pessoas singulares ou coletivas, ‘de jure’ ou de facto, que produzam, reproduzam e difundam narrativas desse tipo” (fake news, que já se vê será a autoridade a decidir que o sejam, e narrativas, que não é difícil adivinhar que serão discursos sem a chancela do bem-pensismo oficial, quando este se sinta agredido).

 

Não creio que seja necessário voltar à Covid, mesmo que a doença se some ao catálogo das que vivem entre nós, e ainda que haja muitos países onde, por razões várias, tenha espaço para fazer o seu caminho, que a comunicação social devidamente ampliará; ou a menos que apareçam novas variantes mais letais. E a história deste vento de loucura ao qual não nos eximimos não será feita nos tempos mais próximos: os responsáveis políticos têm de se aposentar primeiro; e a população sofrerá da amnésia colectiva que a afectou sempre que comprou histórias da carochinha - quando elegeu, com maioria absoluta, um celerado megalómano, por exemplo.

2 comentários

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    Anónimo 13.05.2021

    é isso mesmo , o medo acaba-lhes com a lógica. o covid, por enquanto, é a maior fake new do século. era bem feita que o karma enviasse agora uma doença contagiosa a sério , tipo gripe espanhola.
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