Ignorância aliada à prepotência
Começaram por eliminar as supostas "consoantes mudas" - incluindo as que têm valor diacrítico e, portanto, de "mudas" nada têm - e agora atiram-se furiosamente contra as consoantes bem sonoras, como este título confirma.
Está longe de ser um caso isolado. Encontramos este erro multiplicado por milhares de exemplos - sem sequer escapar o Diário da República.
Tudo ao abrigo do incompetente "desacordo ortográfico" e das suas múltiplas "heterografias" que o Governo - com destaque para o ministro da Educação, Nuno Crato - insiste em manter em vigor, indiferente ao facto de ter sido reprovado por quase toda a comunidade científica nacional, ser rejeitado pela larga maioria dos nossos escritores, romper com as regras vigentes em Angola, Moçambique e Macau, e consagrar 1235 novas diferenças ortográficas com a escrita brasileira (em palavras como recepção e percepção).
Como justamente escrevia ontem a professora Maria do Carmo Vieira, em artigo publicado no diário i, «da aliança entre prepotência e ignorância resulta o caos». Bem patente no ensino actual da língua portuguesa, «com os professores coagidos a usar o acordo e deparando-se com múltiplos problemas suscitados pela análise de textos cuja escrita foi adulterada (estações do ano com minúscula, perdendo o seu carácter simbólico, confusão de sentido no uso do pretérito perfeito, 1ª pessoa do plural sem acento como se fosse um presente, perda de acento em 'pára' que transforma a frase de Bernardo Soares em 'Quem simpatiza para'»).
Estou com ela no diagnóstico. E também na conclusão: «Forçar o cumprimento de um acordo estúpio e cheio de incongruências e penalizar os alunos, nos próximos exames, caso errem a sua aplicação, é uma decisão intolerável que exige a desobediência dos professores e a intervenção dos encarregados de educação.»