Holocaustos
Houve mil holocaustos, não houve só um. Negacionismo é passar sobre todos eles. Acabei de ler um: Holocausto brasileiro, da jornalista Daniela Arbex. Este foi também no século XX mas no Brasil, no centro “hospitalar” de Colónia, Barbacena, Minas Gerais. Milhares de pessoas, homens e mulheres, de todas as idades foram ali internadas por supostos transtornos mentais entre 1903 e o fim dos anos 80. Morreram 60 mil. A maior parte, 70 por cento, não tinha nenhum diagnóstico de doença mental. Eram epilépticos, alcoólicos, homossexuais, prostitutas, meninas engravidadas por patrões, mulheres despachadas para que os maridos pudessem viver com as amantes, brigões, pessoas só entristecidas. Sobreviviam comprimidos, metidos às centenas em armazéns, dormiam sobre palha, entre piolhos e carraças, andavam nus, eles e elas, bebiam água de esgotos, comiam mal e quase nada. Os bebés sobrevindos eram vendidos. Morriam todos os dias, às vezes da cura – era o tempo dos electrochoques. Depois eram vendidos ao quilo às faculdades. E tudo isto durante décadas, com a conivência de médicos, enfermeiros, funcionários e do Governo brasileiro. Basaglia, o psiquiatra italiano que levantou a voz contra os manicómios, foi lá em 1979: “Estive hoje num campo de concentração nazi. Em lugar nenhum do mundo, presenciei uma tragédia como essa”. Uma das melhores reportagens da mais-do-que-premiada Daniela Arbex, que salvou milhares de pessoas do esquecimento e devolveu o nome a muitos sobreviventes. Faz-me bem saber que vive no mesmo mundo que eu.