Há sempre alguém que diz não
Adolfo Mesquita Nunes
Vale a pena os políticos terem emoções. E partilhá-las com os cidadãos comuns: é uma forma de exercer pedagogia democrática. A política imune a estados de alma perde a configuração humana, torna-se actividade burocrática sem nervo nem chama, feita de mero cálculo.
Há quem se perpetue na penumbra a aguardar oportunidades, dobrando-se ao peso inelutável das circunstâncias, sem jamais soltar um grito de revolta. E há quem saiba dizer “basta”, traçando linhas de não-retorno. Neste último lote, muito mais restrito, inclui-se Adolfo Miguel Baptista Mesquita Nunes, 43 anos, advogado de profissão e político por vocação. Inscreveu-se no CDS em 1997 – tinha o actual presidente do partido nove anos. Acaba de devolver o cartão de militante, quase um quarto de século depois, por imperativo de consciência.
O texto que publicou sábado passado numa rede social, justificando o fim do vínculo partidário, merece reflexão atenta. Por contrariar a tendência dominante nestes dias de progressiva compressão do pensamento crítico em nome de afinidades tribais. Quando sectarismos de diversos matizes andam à solta, este ex-vice-presidente do CDS vem lembrar-nos que nada é tão relevante na política como o apego à liberdade. Mais do que conveniências eleitorais, mais do que tacticismos de ocasião, muito mais do que a disciplina sem sentido imposta pelo poder de turno – tão frágil e contingente como todos os poderes.
«Como é possível que o CDS aceite que uma direcção retire aos militantes o direito de escolher o seu líder e a sua estratégia; e que o faça num Conselho Nacional ilegalmente convocado e ignorando as decisões do órgão jurisdicional do partido; e ainda para mais para manter uma direcção cujo mandato termina em Janeiro? Este não foi o partido em que me filiei. O CDS transformou-se noutra coisa. É legítimo que o faça. Assim como é legítimo que eu escolha desfiliar-me agora que essa transformação se cristalizou.»
Não é preciso ler nas entrelinhas: o texto fala por si. Subscrito por quem integrou em 2011 um dos melhores grupos parlamentares de que há memória no hemiciclo de São Bento e foi um dinâmico secretário de Estado do Turismo quando rumou da Assembleia da República ao Governo, dois anos mais tarde. Assumindo o pensamento liberal numa sigla que sempre acolheu várias sensibilidades do hemisfério direito sem perder identidade. Desfigurar este património não desvirtua apenas o CDS, um dos emblemas fundadores da democracia portuguesa: também empobrece o nosso quadro partidário.
Depois dele, novas saídas foram anunciadas, incluindo a de outro ex-vice-presidente, António Pires de Lima. Os danos reputacionais são óbvios para o Largo do Caldas enquanto a questão fundamental subsiste entre as paredes da sede partidária: é possível justificar entorses à legitimidade interna e purgas ideológicas em nome da pureza doutrinária ou de hipotéticos ganhos eleitorais? Claro que não. Fatalmente, outras demissões irão seguir-se. Poucos mas puros costumava ser lema da esquerda leninista, não da democracia-cristã.
Texto publicado no semanário Novo