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Delito de Opinião

Greta Thunberg na Assembleia da República

Cristina Torrão, 25.05.19

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Imagem daqui

 

Depois de o meu colega de blogue jpt ter publicado este excelente texto sobre Greta Thunberg, hesitei em publicar o meu. Mas já o tinha alinhavado, desde que a decisão de convidar a activista sueca a discursar na Assembleia da República causou reacções indignadas nas redes sociais, e resolvi avançar.

Sabemos que a maior parte das crianças crescem super-protegidas e super-vigiadas, até se criou a expressão “pais-helicópteros” para designar os progenitores que constantemente “voam” à volta dos seus rebentos, não lhes permitindo um momento livre e/ou sem ser planeado. Há uma preocupação constante de afastar as crianças de tudo o que seja problema, polémica, ou má notícia. Não são introduzidas nas tarefas domésticas, tudo lhes cai sobre a mesa, como por milagre, as roupas aparecem lavadas nos armários, como por mão de fada invisível. São postas em colégios privados, para e de onde são transportadas de carro, e, chegadas a casa, aterram no sofá, onde se ocupam com os seus telemóveis ou a televisão. Passeios de fim-de-semana? Só se for no Centro Comercial. Quantas crianças tiveram já oportunidade de criarem os seus próprios passatempos, brincadeiras e brinquedos? Quantos adolescentes já deram passeios de quilómetros pela Natureza? Quantos foram sensibilizados para os problemas da pobreza, da discriminação e da solidão? Pais e sociedade queixam-se de que os jovens são preguiçosos, sem interesse por nada, nem sequer empatia pelo sofrimento alheio. Porque será?

Perante este cenário, como não admirar uma activista como Greta Thunberg? Eu admiro, acima de tudo, a sua coragem. Quantas miúdas de quinze anos se atreveriam a faltar às aulas para se plantarem em frente do Parlamento, com cartazes a exigir uma melhor política ambiental? Foi assim que ela começou.

Podem dizer-me que a maior parte dos que participam nas suas manifestações o fazem apenas para faltar à escola. Também me podem dizer que gritam pelo ambiente e contra as alterações climáticas, fazendo, eles próprios, uma vida consumista e sem abdicar dos seus confortos. Ora, este movimento é precisamente a melhor oportunidade para eles tomarem consciência do que se passa e mostrarem aos pais que a vida de todos tem de mudar. É uma boa oportunidade de mostrarem que, por mais boas intenções que os pais tivessem, ao poupá-los ao lado menos bom da vida, cometeram um erro. É nosso dever ouvir a sua voz e reflectir sobre o que os preocupa.

Há uns anos, a activista paquistanesa Malala Yousafzai ganhou a admiração e o respeito da civilização ocidental. Tinha quinze anos, quando sofreu o atentado, dezasseis (a idade de Greta Thunberg), quando discursou na Assembleia da ONU, dezassete, quando foi agraciada com o Nobel da Paz (como co-premiada). Porque se fala agora de infantilização do mundo, em relação à jovem sueca? Por ela dizer o que vai mal na nossa civilização, enquanto Malala Yousafzai atacava os “trogloditas muçulmanos”? É sempre mais fácil arranjar culpados exteriores a nós.

Considero a acção da jovem sueca tão importante como a da paquistanesa. «A nossa casa está a arder», disse Greta Thunberg, na reunião anual do Fórum Económico Mundial, em Davos, na Suíça. Chernobyl e Fukushima mostraram-nos que andamos realmente a brincar com o fogo. O trânsito insuportável nas grandes cidades e nas auto-estradas europeias mostram-nos que estamos a ir na direcção errada (todos os dias há engarrafamentos de dezenas, ou mesmo centenas, de quilómetros nas auto-estradas alemãs). Os voos baratos empestam o céu, assim como os cruzeiros empestam os mares e o ar que respiramos (nas suas deslocações europeias, Greta Thunberg viaja sempre de comboio, por ser um meio de transporte muito menos poluente que o avião). A nossa avidez por carne cada vez mais barata criou uma indústria desumana, em que pessoas trabalham em condições esclavagistas e em que animais deixaram de ser seres vivos para serem objectos que se podem manipular a nosso bel-prazer e em que a Natureza é destruída, a fim de produzir soja para os alimentar (cerca de 79% da soja no mundo é esmagada para fazer ração animal; é, por isso, desonesto dizer que são os vegetarianos/vegan os responsáveis pela destruição da floresta sul-americana, mesmo que todos eles consumissem soja, o que não acontece).

É uma ilusão acreditarmos que podemos dominar a Natureza, ou utilizá-la a nosso bel-prazer. A única hipótese que temos é de cooperar com ela. Na minha opinião, Greta Thunberg merece ser ouvida na Assembleia da República, quanto mais não seja, para que sirva de exemplo aos nossos preguiçosos e mimados jovens. Ela mostra-lhes que há problemas graves no mundo e que urge levantarem-se do sofá, adquirirem personalidade e tomarem posição. Ela mostra-lhes que é o futuro dos filhos e dos netos deles que está em causa. Ela mostra-lhes que a vida deles não consiste apenas na satisfação dos seus desejos, com fadas que tratam de tudo o que implique trabalho.

Ela mostra-lhes que vale a pena ter ideais.

“Não acredites em quem te diga que não podes mudar nada / Eles têm apenas medo da mudança.

A culpa não é tua de o mundo ser como é / Só seria tua culpa se ele assim ficasse”.

(excerto da letra de uma canção dos Die Ärzte, banda alemã; tradução minha, original em baixo):

 

Glaub keinem, der Dir sagt, dass Du nichts verändern kannst

Die, die das behaupten, haben nur vor der Veränderung Angst.

Es ist nicht Deine Schuld, dass die Welt ist, wie sie ist

Es wär nur Deine Schuld, wenn sie so bleibt.

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