Gratidão não se paga
(créditos: gov.mo)
"Equiparar Estado Novo e fascismo suscita dificuldades óbvias; entre outras, destacam-se a ausência de uma mobilização de massas, a natureza moderada do nacionalismo português, a selecção cuidadosa e, em última análise, apolítica, da elite restrita que liderava o país, a inexistência de um movimento forte da classe trabalhadora e a rejeição da violência como meio de transformação da sociedade." (Filipe Ribeiro de Meneses, Salazar, D. Quixote, p. 187)
A Comissão de Assuntos Eleitorais da Assembleia Legislativa (CAEAL) decidiu excluir das eleições de 12 de Setembro p.f. vinte e um candidatos de seis listas. Quando o fez não revelou as razões, isto é a fundamentação utilizada, referindo tão-só que, socorrendo-me do comunicado divulgado pelo Gabinete de Comunicação Social, “conforme factos comprovados, não defendem a《Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China》ou não são fiéis à Região Administrativa Especial de Macau da República Popular da China”. E é quanto basta.
Aquando da conferência de imprensa de apresentação da decisão, o seu presidente informou que recebeu informações da Polícia. Isto é, da Secretaria para a Segurança. Sobre os candidatos. Os senhores da Comissão procederam ao respectivo juízo de acordo com esses dados, e a seguir desqualificaram os fulanos.
Ainda houve um figurão, que não havia sido devidamente industriado, ou ameaçado, pela entidade patronal, que se atreveu a perguntar se não deviam ser esclarecidos de forma transparente, imagine-se, os motivos pelos quais foram desqualificados, mas o presidente rapidamente rematou a questão esclarecendo que no “momento oportuno” serão revelados, uma vez que ainda estaria em curso o procedimento administrativo. Há gente que está sempre com pressa.
Eu quero dar os parabéns à Comissão Eleitoral pelo modo expedito como tratou de um assunto que me estava a causar — não só a mim; também a alguns directores de jornais, deputados, turistas do Interior e membros da Igreja Católica que colocam likes no que aqueles escrevem madrugada fora no Facebook — arrepios só de pensar que iam a votos e até seriam capazes de conquistar alguns.
Lamento é que não se tenha ido mais longe. Não custava muito.
Alguns residentes, em especial de ascendência macaense e aduladores do Presidente Xi, há sempre quem exceda os cânones, transmitiram-me exactamente o mesmo. E até fiquei admirado pelo facto do amigo Guilherme Valente, que tem experiência do “Um, Dois, Três” e sabe lidar com patriotas de gema, não me ter telefonado de Lisboa para me sentir mais acompanhado na minha posição.
Não digo que lhes dessem com um tijolo, mas se lhes pusessem umas grilhetas, aos desclassificados, e os passeassem pela cidade antes de os largarem num pelourinho à porta do Tribunal de Última Instância, como os colonialistas fizeram ao Gungunhana, para perceberem o que é a Justiça, talvez não fosse má ideia. Isso poderia servir de exemplo para esses independentistas que queriam fazer disto um estado falhado, com capital nos Aterros do Pac On, a viver a expensas da Casa de Portugal, do Instituto do dr. Rangel, da Fundação Oriente e da Fundação Rui Cunha. Era só o que faltava virem dar-nos cabo da autonomia. E dos carcanhóis. Isto não são os lagos Nam Van.
Nestas ocasiões, é evidente que há sempre quem não aplauda e se mantenha em silêncio, como foi o caso da Associação dos Advogados de Macau (AAM). Durante 24 horas, como veremos.
Vejam só o contraste. Em Lisboa, o Bastonário da Ordem, na operação Cartão Vermelho, saiu logo a terreiro para criticar o Ministério Público e as polícias. Manifestar “profunda preocupação”, disse ele, pelo modo como estão a decorrer as detenções para interrogatório de uns bandidos em processos penais, por vezes estendendo-se por vários dias, em situações, na sua óptica, “claramente desconformes” com os direitos fundamentais. Em Macau, a AAM, que sempre se tem manifestado a favor da acção do Chefe do Executivo, de uma advocacia alinhada com a Grande Baía e a Lei Básica, e que se predispôs logo a distribuir os livros do pensamento do Presidente Xi na própria sede, desta vez, vinte e quatro horas depois, o seu presidente, com a sua própria voz, vem dizer que está “chocado”. Chocado? Essa é forte. E desnecessária.
Em vez de vir apoiar a exclusão daqueles indivíduos do sufrágio universal e manifestar o nosso apoio, de todos sem excepção, ao Secretário para a Segurança contra as ameaças que aqueles poderiam causar ao doce e encantado remanso em que vivemos nesta patriótica cidade do delta do Rio das Pérolas, protegidos pelas nossas queridas câmaras, equipadas com tecnologia para identificar qualquer talibã gorducho, se vestido de fato e gravata e andar a sacar umas obras nas adjudicações por ajuste directo, o presidente da AAM ficou “chocado” (sic). Chocado? Ele? Ora bolas! Quando menos se espera, sai-nos tudo ao contrário. E desta vez não me pareceu que estivesse a fingir.
Dizem para aí que os tais “democratas” ainda podem meter recurso. Há sempre um expediente nestas alturas. De qualquer modo, foi óptimo que os tivessem notificado numa sexta-feira ao final da tarde. Com o prazo a terminar na segunda-feira, salvo erro, pode ser que isso demova Ng Kuok Cheong e os outros da pandilha de recorrerem. Queimaram-nos, e bem, com o fim-de-semana.
Toda a gente sabe que com os advogados a banhos, com excepção dos que aproveitam o sábado à tarde para fazerem reuniões nos escritórios e arbitragens nas empreitadas dos casineiros, e com a final do Campeonato da Europa no domingo, o mais certo é falharem o prazo, ou apresentarem um papel todo mal-amanhado. Assim sempre têm menos tempo para inventarem ilegalidades, nulidades, desvios de poder, enfim, esses palavrões que os advogados gostam de usar quando falam da nossa gente e do seu patriótico trabalho.
Vá lá que aqui não se lembraram de agitar bandeiras portuguesas. Em Pequim ainda eram capazes de pensar que o Cristiano Ronaldo tinha comprado outro apartamento e iniciara obras de renovação com o apoio de alguns austríacos. Eles estão em todo em lado. Em Viena, em Taiwan, na Praia Grande e, dizem-me, até na Areia Preta, imaginem.
Enfim, agora que isto está a ficar um brinquinho, seria bom que fossem dadas instruções, de preferência pela via policial mais expedita, no sentido de se começarem a afastar todos aqueles ditos “patriotas” que ainda se atrevem a escrever e a falar em português. Graças a Deus já temos juízes que sendo bilingues não escrevem uma linha em português. O português ou o chinês só servem para excluir na prova de línguas. E até há quem a meio do processo passe a escrever em chinês porque o advogado da outra parte mudou, depois de até aí ter despachado sempre em português. Arrependeu-se a tempo.
A seguir, podem sempre afastar da função pública e da Assembleia Legislativa, ou do Governo, ninguém escapa, todos aqueles que circulam em carros alemães, italianos ou ingleses. Se o Presidente do BNU comprou um carro chinês “topo de gama”, e está satisfeito, por que raio os outros não seguem o exemplo e não se proíbe a importação de carros e motas do exterior? Querem andar de Mercedes com vidros fumados, BMW, e Bentley? E de Ducati nos feriados? Tenham juízo. Andam armados em meninas tipo “Angie”? Deixem-se disso. Usem a Nova Era, a Transmac ou os autocarros chineses da Galaxy.
E depois ainda há os que estudaram no estrangeiro. Uns bandalhos. Tirando um ou outro alemão ou almadense, ou portuense amestrado e encastrado que por aí anda, aqueles são os piores. Porque vêm de lá com ideias estranhas. Não se percebe por que raio ainda há patriotas que falando mandarim querem mandar os filhos estudar em Singapura, em Stanford, Harvard ou até Coimbra. O Vítor lá no Senegal é homem para os entender. Pelo menos os que estão no Governo e passaram por lá foram já imunizados e agora prestam bons serviços à Nação.
Eu mandava-os a todos para Jinan, que têm lá muitos milhões para gastar, dados pela Fundação Macau. E a seguir, depois da Queima das Fitas, arranjava-lhes emprego no IPIM ou na protecção ambiental. Para tratarem de processos de investimento e medirem a qualidade das águas. Das actuais. Não das que o engenheiro Raimundo vai tratar com muito menos dinheiro em Coloane, e que até vão servir para fazer perfumes “Eau de Ou Mun Concentrée” para vender aos turistas de Hubei nas Portas do Cerco.
Não me alongarei mais. Aproveitarei apenas para deixar a sugestão de cancelarem o concurso para a nova biblioteca de Macau. Os tipos são holandeses. Aqueles gajos que não gostam de gastar dinheiro com bom vinho e "colegas". Uns miscos. Os mesmos que quiseram invadir Macau. Será que já estão esquecidos? E têm um português lá metido. Uma espécie de tradutor. Do tipo assessor, digo-vos eu, mas que dizem que é arquitecto.
Não se iludam. Um agente à paisana, que costuma estar ali num conhecido bar de hotel, às sextas-feiras, e que me dizem ter iluminado juridicamente o Chefe do Executivo nos seus tempos da Assembleia, quando foi preciso correr com os assessores que andavam de beiços com a RAEM (uns libertinos), confidenciou-me que era um infiltrado.
E que o fulano estava a pensar vir de Amesterdão para ir escrever para o mesmo jornal onde ainda deixam escrever o Paul Chan Wai Chi, um dos desclassificados. Com o pseudónimo de “Zé do Boné”. Ele não tem ainda a certeza de conseguir um contrato, sabemos isso. Ao Siza Vieira também convidaram e desconvidaram. Quem é que o tipo pensava que era? Sem espinhas. Parece que o tal português não plagia tão bem como um outro que lá têm, que às vezes põe aspas nos textos que “escreve”, pelo que duvidam que obtenha a aprovação do Gabinete de Ligação.
Daqui sugiro que não corram riscos. Não o contratem. Não sejam parvos. Ainda acabavam a vender tapetes de Xinjiang a um diplomata português que está em Pequim. O homem compra, vende, promove, sensibiliza, gesticula. Um ás das feiras. E depois vinha aí a Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros dizer que também queria algumas jarras para colocar nos Passos Perdidos, nos calabouços da PJ, na entrada do Estádio do Dragão e na sede da Electricidade de Portugal. Um sarilho pegado. Não se metam nisso.
Contratem só talentos locais. Nada de mandar vir gente de Portugal ou dos países imperialistas. Quando muito da Hungria ou do Afeganistão. E de preferência que não falem (podem ser mudos), que não escrevam, que não estudem, que não leiam, que não opinem, que não façam perguntas em conferências de imprensa. Que gostem de karaoke e hotpot. E que usem uma farda. Com os botões todos apertados. Até cima. Polidos. Como se viu em Pequim no dia 1 de Julho.
E, mais importante, que não pensem.
Quanto a esta parte não o digam muito alto. Nem coloquem nos anúncios de recrutamento para novos talentos. Temos cá alguns juristas portugueses recrutados em Portugal. Há até quem tenha autorização do Conselho Superior de Magistratura. E não foi o Vale e Azevedo quem assinou. Estão em diversos lugares. Pacatos. Convém não estragar tudo depois de tanto trabalho. Ninguém quer filas imensas de candidatos de cada vez que se abrir um concurso para filósofos no Instituto dos Assuntos Municipais. O Dr. Tavares não me perdoaria. Nem o Instituto Politécnico. Por causa dos ratos.
É que já basta uma associação de advogados a dizer-se chocada com a reposição da legalidade. Logo nesta altura do campeonato. Antes da época dos tufões.
Vão por mim.