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Delito de Opinião

Godspell

Maria Dulce Fernandes, 16.08.24

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Há quase 50 anos, andava eu pelos meus 17 anos de rebelde bem comportada, quando, inesperadamente o meu pai me presenteou com quatro bilhetes para o Teatro Villaret, que lhe tinham sido ofertados pelo saudoso Vasco Morgado. A “peça” era o Godspell. Confesso que nunca tinha ouvido falar, mas significava poder sair à noite e regressar depois das 23 horas, e isso sim, era um presente inestimável. Convoquei a Batatinha e a Mena que ficaram tão ou mais alvoroçadas do que eu, pusemos o plano em marcha, mas entretanto fizeram-nos os nossos maiores conhecedoras do senão, sem o qual a bela iria por água abaixo: precisávamos de acompanhante “responsável”. A Batatinha propôs falarmos com o seu tio Zé, multiprofissional e músico nas horas vagas, mas pessoa adulta que, nesse ponto, cumpria perfeitamente os requisitos. Aceitou um tanto reticente, mas era uma boa pessoa e totalmente persuadível.

No dia do espectáculo, jantámos cedo, partimos palradoras para Belém e apanhámos o eléctrico para a Praça da Figueira, de onde seguiríamos de Metro para o Marquês de Pombal. A noite estava fria e conseguimos convencer o Tio Zé a levar-nos à Ginjinha. Era uma maluquice que nenhuma de nós tinha feito antes, mas que diabo! Era a nossa primeira grande noite de liberdade.

Bem aquecidas, seguimos no metro a rir e cantarolar descontraídas e um tanto descontroladas. O ar frio no rosto, caminhando a distância entre a saída do metro e o Teatro Villaret deixou-nos mais despertas e menos toldadas, entrámos e o espectáculo começou.

Honestamente, esperávamos aquilo a que se chamava “apanhar uma seca”, mas fomos surpreendidas por um musical  espectacular. A música e as interpretações de actores muito nossos deixou-nos rendidas. Reconhecemos a Mafalda Drummond, a Rita Ribeiro, a Vera Mónica, o Carlos Quintas, o Joel Branco, a Anabela, o Norberto de Sousa, a Verónica, o Nuno Emanuel, o José Luís Ardiz, o Carlos Norberto… e reconhecêmo-los multifacetados actores e excelentes cantores.

Baseado no Evangelho segundo S. Mateus, o musical apresenta uma trupe cómica de excêntricos que se juntam a Jesus para ensinar as suas lições através de parábolas, jogos e tolices. Foi a primeira vez que ouvimos “Day by Day”, bem como uma mistura eclética de música que vai do pop ao vaudeville, enquanto a vida de Jesus é representada em palco. Mesmo depois da  crucificação, a mensagem de bondade, tolerância e amor de Jesus Cristo continuou viva de forma vibrante e brilhante.

No final, que chegou rápido demais, a magia continuou. Tivemos um convite para ir aos bastidores, porque a Batatinha conhecia a Rita que foi colega de liceu da sua irmã Malucha. Nem sei como descrever a experiência. Um Sonho de uma Noite de Inverno talvez? Foi como se aquele Puck travesso que vive em todos nós tivesse rédea solta e nos fizesse rodopiar endiabradas e felizes com todo aquele grupo maravilhoso.

Se eu fechar os olhos, consigo recuar quase 50 anos e volto aos bastidores do Villaret e estamos lá todos, alegres, conversadores, fantásticos e jovens, muito jovens. Muitos já partiram. Dos quatro safados daquela noite libertina, resto eu e todas as recordações felizes daquele feitiço de Deus.

Day by Day, na versão cinematográfica. Lamentavelmente não encontrei a versão portuguesa.

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