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Delito de Opinião

Ganhar projectos na compra

Teresa Ribeiro, 30.05.18

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“Os projectos ganham-se na compra, não na venda” – em poucos dias ouvi esta frase, que pelos vistos se tornou chavão, duas vezes. Foi proferida por pessoas distintas. No primeiro caso tratava-se do gestor de uma grande empresa e no segundo de um empresário por conta própria relativamente bem-sucedido. A frase não me era destinada. Na primeira ocasião foi dirigida na minha presença a um jovem empreendedor e num segundo momento ouvi-a a ser debitada numa conversa entre amigos. A expressão é eufemística e significa que o dinheiro ganha-se na fase de concepção do projecto que se quer vender, embaratecendo-o o mais possível, por forma a poder assegurar uma margem de lucro interessante quando se proceder à sua venda. Esmiuçando ainda mais, o que isto quer dizer é que havendo gente implicada na concepção de projectos, para que um empresário ganhe dinheiro é necessário que não tenha escrúpulos em pagar o menos possível à sua equipa.

Usando uma expressão da moda para comentar um pensamento da moda, este é agora o “paradigma” do sucesso empresarial: aproveitar o estado do mercado de trabalho como uma oportunidade para pagar o mínimo aos seus “colaboradores”. É uma regra que está a ser seguida por todos, do pequeno empresário, aos gestores de topo. Se no primeiro caso se percebe a necessidade de contenção financeira, no segundo revela simplesmente um oportunismo do mais rasteiro para nivelar salários por baixo.

Dir-me-ão que é a lei da oferta e da procura a funcionar, mas o argumento cai por terra facilmente. Recentemente um dos responsáveis do Grupo Manpower Portugal disse-me em entrevista que mesmo para contratar profissionais que escasseiam no mercado, os seus clientes procuram baixar a fasquia salarial até ao limite do aceitável e quando recebem negas dos candidatos ainda se ofendem.

A verdade é que a crise criou uma casta de predadores que está a ser responsável pela crescente amoralidade das relações de trabalho, em que se exige tudo (habilitações elevadas, conhecimento de línguas, disponibilidade total) a troco de quase nada.

Soube agora que os enfermeiros de um dos maiores grupos de saúde em Portugal receberam por carta a informação de que vão deixar de receber horas extraordinárias relativas a serviço nocturno e de fins-de-semana. É ilegal, mas faz-se. Também sei, de fonte segura, que em medicina veterinária o pagamento de horas extraordinárias é uma miragem e que há casos em que até as folgas são negadas (nas semanas em que existem feriados). Ilegal, mas faz-se. A lista de casos, em quase todas as áreas, é infindável.

Estamos no clube dos ricos por um capricho da geografia, porque às nossas elites sempre lhes fugiu o pé para esta mediocridade, que vive da exploração mais mesquinha. Portugal apresenta uma das maiores diferenças entre ricos e pobres à escala europeia. Esta típica marca de subdesenvolvimento diz tudo sobre nós.

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