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Delito de Opinião

Fui à bola

jpt, 26.11.21

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Esta semana fui à bola, algo que não fazia há anos, desde bem antes do advento do Covidoceno. Sobre isso botei uma memória agradada (no colectivo sportinguista  És a Nossa Fé e no meu recôndito Nenhures). Acontece que não me ocorre nada para aqui deixar dedicado ao fim-de-semana, pois "já me falta o rancor" para arengar sobre sondagens - a semana passada diziam o PS com maioria absoluta e o PSD de Rio quase abaixo daquela hecatombe do PS de Almeida Santos, esta semana afinal o PSD já empatado com o PS, desde que vá com Rio, claro, um verdadeiro teorema Pitagórico que se me escapa... Nem se me puxam as teclas para resmungar sobre as medidas relativas ao covid-19 promovidas por um desaustinado governo, prisioneiro do manto diáfano de propaganda que venera,  nem sobre as reacções avessas dos liberalóides, cuja guincharia em prol de uns quaisquer direitos individuais que estarão a ser assaltados cada vez mais se afirmam como um gorjeio proudly queer (lamento o estrangeirismo mas lembro que a minha irmã e a minha filha me vetaram o uso do vernáculo adequado a estes doutores adamados). Enfim, é certo que poderia botar um postal sobre a Super-Marta, que dá sempre pano para mangas. Mas é sexta-feira, vou tratar de uns papéis e depois irei jantar à tasca operária cá do bairro.

Por isso deixo abaixo, para quem tenha interesse e tempo livre, a croniqueta que meti a propósito da futebolada (tem um pequeno linguajar atrevido, adequado à bancada, mas como é uma auto-citação julgo que a família perdoará):

Devido a um inesperado impedimento do consagrado espectador titular - felizmente pouco gravoso pois, e para descanso do nosso "mister", isso não o afastará do próximo episódio desta bela senda de "jogo a jogo" - fui convocado à última hora para assistir ao decisivo embate com os teutões de Dortmund. Para o efeito tive de tratar, in extremis, dos trâmites burocráticos necessários à compita, um verdadeiro "frisson" ao imaginar-me qual Adrien barrado por minutos. Mas que muito me foi matizado pela simpaticíssima ajuda telefónica que obtive da funcionária da Federação Portuguesa de Espectadores que, paciente e eficientemente, me ajudou a obter um "Certificado de Vacinação Digital", documento que até à data me fora desnecessário para as competições regionais em Nenhures.

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Logo, e ainda alvoraçado, mergulhei no metropolitano na rota do Sacro Recinto, já pejada de adeptos em trânsito, entre os quais era notória a extrema concentração competitiva, discernível no silêncio nada ululante que reinava nas carruagens e estações. Exultante de "ir a jogo" disso dei notícia por via telefónica, mostrando-me nestes preparos, à panóplia de familiares e amigos mais futeboleiros. Disso recebi ecuménicas saudações e votos de alento para o embate. A surpresa era geral, sabendo-se que este veterano há muito pendurara as almofadas de bancada. E antes do Campo Grande já dois grandes amigos, viscerais sportinguistas - desses do lugar cativo no velho e para sempre "o" nosso José de Alvalade, adquirido depois das nossas juvenis pelejas no peão, da ascensão às superiores e da comoção com o fecho de estádio - me questionavam "porra, estás com guito para isso?", num óbvio "estás a tirar do rancho para ir à bola!?". Questão assisada que só à nós surgirá, aos encanecidos naúfragos desta tormenta que é a crise vivida em idade avançada, ainda para mais decorrida sob desajustados rumos profissionais, tudo isso que neste Outubro da vida nos tornou proibitivo o que nos fora um mais que acessível jovem hábito prazeroso. Lá me legitimei, expressando o convite de que fora alvo, e logo acolhendo um duplo sms similar: "ainda há gente caridosa!". E há. Chamar-se-á agora "solidariedade (social)". Ou, melhor dizendo, gajos porreiros...

Aportado ao estádio constatei o fervilhar de gente, filas gigantes placidamente serpenteando, prenúncio de "casa cheia". A aproximação da hora do apito inicial causou-me o dito "stress", o desajuste à situação, no verdadeiro pavor de perder o apito inicial... Já na cercania dos acessos ao interior do estádio amalgamámo-nos, em magotes de centenas... Lembrei-me então, saudoso, dos bons velhos tempos antes desta era Covidocena, em que tais momentos nos eram até normais, ainda que talvez um pouco desconfortáveis. Escoaram-se minutos naquele ombrear literal, no constante roçagar rizomático, em até encontrões pacíficos, na miríade de bafos d'associados e alguns solos de pragas perdigotantes. Mas a fé sportinguista impõe alento e crença, e em momento algum invoquei a sanitária protecção da dra. Freitas ou da "super-Marta", nem mesmo a do dr. Sousa Martins, pois limitei-me a rogar que me fosse concedida a via aberta até ao hino da "Champions". E, para nosso júbilo, assim aconteceu - fiquei apenas, já no meu belo lugar Central, num breve resmungo disto de que sendo o futebol um espectáculo tão caro talvez fosse de tratar melhor a gentrificada assistência...

Já arrumados nos lugares devidos fui perguntado pelo meu prognóstico e saio-me com aquilo que venho repetindo, a ver se pega: "três secos, tricórnio do Paulinho". Logo o vizinho da frente se volta, sorrindo, "não, três do Pote!", ao que lhe deixo "que seja assim, até se forem autogolos, pouco importa". Mas ele esclarece, orgulhoso, e abarcando os dois amigos - um talvez dele filho - que o acompanham: "ele é da nossa terra!", e estão eles aqui também para o apoiar, com particular desvelo. E logo ficamos comungados com o trio transmontano - porventura de Vidago onde o jogador cresceu - no redemoinho de comentários verbais e faciais que se seguirá ao longo do jogo... O estádio está quase cheio, espectadores apoiantes, entusiastas mas não eufóricos, a apreensão diante do colosso teutónico é adivinhável. Ainda assim noto, com surpresa, que atrás da mítica baliza "Vítor Damas" está um grande espaço vazio de espectadores, talvez devido a razões de segurança. Mas não, explicam-me que é a zona reservada aos portadores do deficiente "Cartão de Adepto", uma imposição legal postulada pelo governo, que colheu total inutilidade. Ou seja, se estão ali 41 mil espectadores, como viremos a ser informados, a empresa desportiva SCP foi prejudicada nas receitas provenientes da venda de alguns milhares de bilhetes. E isto é já hábito antigo, ao que me garantem. Enfim, uma peculiar noção de exercício governativo, estava eu pronto a resmungar, atascando-me em politiquices, quando me perguntam "sabes de onde é o árbitro?" - espanhol, anunciou um vizinho -, a sacramental pergunta que antecede o apito inicial do jogo, como é consabido. "Pelo menos não é russo nem turco", suspiro, lembrando as roubalheiras indecentes que na Liga dos Campeões sofremos às mãos desse tipo de agentes durante consulados anteriores.

O jogo começou em breve fogacho dos nossos. Mas logo se impôs um ritmo que se anunciou como o que iria vigorar durante a hora e meia. "Isto vai ser sofrer muito", foi-me sentenciado enquanto eu, trémulo, desperdiçava molhos de tabaco ao tentar enrolar um cigarrito. O Sporting entrou tenso, os jogadores algo apreensivos, ultrapassados pela rapidez dos de Dortmund, e a equipa manietada pela melíflua envolvência do adversário, num rendilhado de meio-campo, com tenazes em forma de interiores perfurantes, com aparência de viperino. A meu lado decide-se que a culpa de tudo aquilo é do Matheus Nunes, rapaz algo jeitoso mas incapaz de imprimir ritmo ao jogo e de exercer múltiplas tarefas em campo, uma penosa inutilidade que castra o futebol do nosso "team". Na fila de trás o parecer é diferente, o culpado - com sentença já transitada em julgado - é Saravia, o qual não corre, não defende, não pressiona, um verdadeiro mono por assim dizer. Opinião que me é contestada, quase em surdina, por um adepto incondicional do mesmo Saravia, o qual, afiança-me, "faz tudo bem". Neste ambiente de contornos cáusticos tento argumentar que aquela lentidão dos nossos talvez se deva a instruções de Amorim, um comando de que entrassem eles com cautelas miles, não fosse o caldo entornar-se ainda morno, como já acontecera. Enfim, lá consigo enrolar o cigarrito, marca Amber Leaf, e fumá-lo. Entretanto olho para o relógio e algo sossego, dez minutos já passaram, nem Saravia nem Nunes, ou outro qualquer, afundaram a equipa, e posso sentenciar: "pelo menos estamos melhor do que contra o Ajax" - lembrando que os agora neerlandeses nos meteram 2 golos logo até aos 9 minutos.

O que veio a seguir é por todos consabido. A minutos tantos o capitão Coates - infatigável e sábio durante todo o jogo, numa actuação espantosa - faz um passe longo para a frente avançada, fazendo-me reviver Polga nos tempo de Paulo Bento, em manobra que eu tanto abominava, e Pedro Gonçalves, o tal "Pote" de ouro, aproveita uma fífia alheia e abre o activo. Nem foi com a celebrada codícia, aquilo é mesmo... placidez. Pois o homem chuta à baliza com muito mais calma do que eu teclo para blog. Não haja dúvidas, é um predestinado... psicológico. E logo de seguida, quase à minha frente, dispara um "toma lá pinhões" mas mesmo esse à sua maneira, quase só em jeito. Caíramos antes, e caímos de novo nos braços dos transmontanos, eu lembrando-de de também o ser, na minha via materna, gente rija de Mogadouro e Gimonde.  E, de repente, estamos nos oitavos-de-final, arrumámos os alemães. Agora é só preciso aguentar! É certo que os malvados reagem a cada golo que sofrem, e sempre têm uma hipótese após lhe termos afagado as redes. Uma só de cada vez, sublinho-o, e após o nosso segundo golo valeu-nos a experiência do veterano Inácio, a saber dobrar o guarda-redes e a impedir o golo alheio.

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Chegado o intervalo fui invadido pela angústia. Pois se é sabido que o futebol é um jogo com bola, de onze contra onze e no qual a Alemanha ganha, a derrota seria ainda mais custosa depois de tanta ilusão e alegria, é a minha dor. A minha filha, sabendo-me no estádio, faz-me uma videochamada, lá da Inglaterra onde vive: "Querida, não te consigo ouvir", despacho-a, apesar de pai tão saudoso, incapaz de conter a ansiedade. Nesse intervalo doloroso o meu  aspecto, envelhecido, timorato, era este que aqui comprovo.

De seguida, os Dortmundos entraram ao ataque, empurrando-nos para as trincheiras. E, para piorar o estado aterrorizado em que me sentava, o Sporting tem alguns contra-ataques perigosos, coisa que na primeira parte não conseguira, criando hipóteses para mais um golo, em especial na sequência de um belo safanão do inquieto "Pote" desperdiçado por Saravia - esse "que faz tudo bem", insistia  o meu vizinho, vero anfitrião, em desespero com aquele falhanço. Ora, como é sabido, "quem não marca sofre" e nisso estava eu já em desesperança.

O jogo lá continuou, vigorando uma defesa sportinguista de grande valia, exímia em atirar os dortmundos, cada vez mais minúsculos, para o charco do fora-de-jogo. De súbito há uma trapalhada qualquer mesmo à minha frente, nem percebi o quê pois distraído a olhar o rumo da bola, seguido de um inusitado, e saudoso, sururu à latino-americanos. E nisso uma ronda de amarelos e a expulsão de um dos deles, saudada como se golo nosso fosse. Pois, mas "jogar contra dez é muito difícil!", lamento, prenunciando o agigantar adversário. Com sarcasmo, resistente, o sábio vizinho remata "e jogar com dez também", mostrando uma crença menos quebradiça do que a minha. Entretanto, e se Matheus Nunes havia já sido remetido para uma pena suspensa, com o alfobre das invectivas que lhe serão dedicadas reservado para o próximo "jogo a jogo", o juiz atrás de mim ia causticando, ainda que menos veemente, o Saravia, o tal que não se mexe. Ficou um pouco desasado com as substituições, pois agora quem iria ele criticar? Substituo-o, resmungando constantemente com esse Paulinho - o qual tanto defendo em blog - que não corre, não joga, não se desmarca, não recebe a bola, não a passa, e segue em constante footing, etc. E que, pior do que tudo, se atira para o chão, a pedir faltas sem perceber que o árbitro não vai naqueles trinados. O Amorim, que é nosso óbvio vice-almirante, que meta o TT, deixe jogar o puto. Tanto insisto nesta via analítica que o Paulinho lá saca um penalti. E surge um tricórnio possível, ainda que afinal do Pote? Certo, acaba por não ser assim, mas que Porro, que Porro.

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Desde então, dos 3-0, só me lembro de resmungar, alto e sonoro, "não há olés!!", quando os patetas começaram nesse sempre contraproducente ritmo, que tanto leva ao asneirar dos jogadores. E, depois, de passar os infinitos 7 minutos de descontos - ainda por cima durante os quais sofremos um golo de futebol de solteiros vs casados - num ladainha mais ou menos murmurada de "caralho, foda-se, acaba o jogo, foda-se, caralho, acaba o jogo, coño!". E acabou. "Eu nem acredito", diz um veterano ali vizinho, "andei décadas a ver merda aqui e agora vive-se isto", e comovo-me com isso, porque é verdade e lembro-me desse ror de dislates clubísticos, ainda que então vivendo longe, tão apartado do estádio.

E nisso seguimos às roulottes - há quantos anos não ia eu às roulottes! Fervilhantes, literal e metaforicamente, que foi dia histórico, arrombar alemães é coisa inédita, passar nas "champions" é coisa rara e já só quase memória. E queremos esta festa. Segue-se uma bifana e uma entremeada, alimentos rituais. E duas imperiais. "Queres mais uma?", pergunta. E eu "não, ganhámos por dois, bebemos duas!". Nisso, nessa recusa frugal, e quem me conhece logo o perceberá, proclamando que estou completamente exausto! Que grande festa!!! Até me comovi, cara...mba!

 

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