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Delito de Opinião

Fora de série (9/2)

Ana Vidal, 24.05.16

Nota prévia: No último jantar do Delito, onde foi lançada a ideia da série colectiva “Fora de série”, eu e o Zé Navarro de Andrade declarámos ao mesmo tempo que escolhíamos “Les Galapiats” (“Os pequenos vagabundos”, na tradução portuguesa). O mais engraçado é que foi também num uníssono imediato que repetimos as palavras que retivemos na memória até hoje, e de alguma forma nos marcaram para sempre: “C’est féerique!”. O que quer dizer que escolhemos ambos esta série pelas mesmas razões: uma paixão assolapada pelos protagonistas. Por isso combinámos escrever ambos sobre ela.

 

 

Pois é, Zé, nesse tempo não falavam os animais mas falavam as hormonas, e como! Ou melhor, gritavam, impunham-se, passavam à frente de tudo sem dó nem piedade. No teu caso (e no de muitos outros rapazinhos, aposto) com efeitos imediatos, traduzidas em furores físicos descontrolados. No meu, e no de tantas outras adolescentes românticas e ingénuas como eu, traduzidas em paixões sofridas, tão arrasadoras como inconsequentes.

 

Mas atenção, isto não é assunto com que se brinque: Jean-Loup foi o meu primeiro grande amor, e nem sequer posso dizer que fosse um amor “ virtual” já que, para mim, era a pura realidade. Se querem saber, acho que nem fazia ideia do nome do actor. Só agora descobri que se chamava Philippe Normand ou Philippe Cantrel, diferentes apelidos que usava como actor ou como cantor. Talentoso, hein? Foi uma paixão que levei tão a sério que condicionou totalmente os primeiros anos da minha vida amorosa, a ponto de só me ter permitido cair de amores por um rapaz (finalmente tangível, aleluia) parecidíssimo com o meu herói. Jean-Loup, o parisiense de férias na Bélgica, tinha criado na minha cabeça sonhadora um padrão, o meu modelo de príncipe encantado. Mais tarde, na mesma linha, veio Alain Delon, quem sabe se porque eu o imaginava como uma espécie de Jean Loup em adulto. O meu namorado de carne e osso era realmente parecido com ambos, e só não ponho aqui uma fotografia do dito (a prova inquestionável do que afirmo) porque não sei se ele lê o Delito.

jean loup Philippe Normand ou Cantrel.jpg

Por outro lado, e como não podia deixar de ser, havia a Marion-des-Neiges, a protagonista, para o Zé o supra-sumo da perfeição feminina aos 12 anos e para mim a rival odiada, deslavada e débil mental, sempre a precisar da protecção do meu herói e incapaz de uma proeza por conta própria. Bah.

 

“C’est féerique!” (nessa altura aprendíamos francês, aquela frase ficou-me atravessada no coração como um dardo, ainda antes de ler a legenda), referia-se aos bosques mágicos do Canadá e era dita no último episódio pela delambida Marion ao meu Jean-Loup, no momento da despedida de ambos, convidando-o a ir visitá-la um dia ao seu país. A sonsa. E eu sem nada de feérico para a troca: nada de florestas mágicas, só uma vilória rural com meia dúzia de pinheiros quase milenários, é certo, tudo o que restou do histórico e outrora famoso Pinhal da Azambuja. Uma vilória sem castelos de pontes levadiças nem tesouros perdidos por resgatar, onde o mais excitante que acontecia eram as largadas de touros, na feira de Maio, pelas ruas em que se misturavam poeira, febras na brasa e mil bebedeiras. A vida não é justa.

 

Por isso, por favor, não me contem o que sucedeu com o passar dos anos a Jean-Loup na vida real. Não quero saber. Deixem-me recordá-lo assim, um galã imberbe e aventureiro, de melena nos olhos, com solução para tudo e uma esperteza ilimitada para desmascarar malfeitores e salvar vítimas inocentes. Deixem-me retê-lo na memória desses anos de todas as ilusões, na versão “retrato do artista enquanto jovem” que me incendiava a imaginação e me povoava a mente e o coração, mesmo durante as aulas. A não ser, claro, que tenha casado com a idiota da Marion e estejam ambos obesos, num sofá qualquer em Montréal, a comer pipocas e a ver reality shows. Isso sim, seria a minha vingança servida fria. Gelada.

 

(A despedida e o célebre “C’est féerique!” – ver min 22.27)

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