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Delito de Opinião

Fora de série (13)

Fernando Sousa, 28.05.16

Há uns meses andava eu numas arrumações quando encontrei um pedaço de papel pardo com uma letra esquisita, a lápis, com um nome, Ben Cartwright, e uma morada de que só eram nítidas três letras: NBC. Bingo!! Era a prova definitiva que nalgum ponto do meu passado tinha privado com a família feliz de Nevada! Num segundo fiquei com o papelito na mão e a cabeça no tempo em que ainda havia heróis, não sei se se lembram... Eram os anos 60 e a tv por cá era uma menina. Já tinha deixado o Zorro e entretinha-me aos domingos com o Stingray, o submarino da World Aquanaut Security Patrol, do capitão Troy Tempest. O pedaço de pacote de açúcar amarelo tivera a morada do patriarca grisalho da Ponderosa, o Ben Cartwright, ele próprio, o da Bonanza, a série de David Dortort exibida pela NBC entre 1958 e 1973, para quem tencionava escrever não sei para quê, talvez para lhe contar das noites em que esperava, no café Monserrate, ansioso pelo mapa a arder e o tema musical do guitarrista Tommy Tedesco que me ficou nos ouvidos – a mim e ao Johnny Cash (Ring of Fire: The best of Johnny Cash, 1963).

 

 

Sabia lá eu, aos 10 anos, onde era Nevada e a fazenda desta família de ganadeiros e madeireiros podre de rica, nas margens do Lake Tahoe, ou a poeirenta Virginia City, com rolos de urze nas ruas, do xerife Roy Coffee (Ray Teal), sofria apenas pelo regresso dos quatro magníficos a cavalgarem na minha direcção!! A semana para mim era o espaço entre dois episódios da saga, a primeira do seu género transmitida assim pela tv, pelo menos cá, a preto e branco, só me escapa o dia – tenho ideia de que era aos sábados, alguém aí que me ajude... O epicentro era sempre a casa de Ben, interpretado por Lorne Greene, de onde ele administrava os 2600 quilómetros quadrados de vacas e madeiras de Ponderosa, além da família, e ajudava Coffee contra bandidos e trapaceiros. Viúvo três vezes e com um filho de cada mulher, Adam (Pernell Roberts), Eric, o gordo e ingénuo “Hoss” (Dan Blocker) e Joseph ou “Little Joe” (Michael London), o velho fazendeiro geria tudo com fé, trabalho e se fosse preciso a murro, e como batia bem! De todos de quem eu gostava menos era de Adam, que um dia desapareceu do saloon onde eu ia todas as semanas, soube mais tarde que tinha deixado a história e emigrado, acho que por uma questão de cachet, ouvi dizer, preferindo o bonacheirão e o sempre-apaixonado Joe Pequeno. Ah, e o Hop Sing, o cozinheiro chinês, com quem o caçula passava a vida a meter-se pelos cozinhados e por comer os erres. Às vezes também havia mulheres, que era quando aquilo ficava sem tiros nem graça. Bonanza era uma novidade por combinar ladrões de gado, batoteiros, garimpeiros e um grupo de homens honrados, generosos e bravos, geneticamente bons, americanos por definição portanto, fora do registo de banditismo puro, duelos ou carroças a fugirem de navajos em Monument Valley... Um western de princípios, a harmonia no Oeste, nem de outra forma teria durado o que durou, e passado na nossa RTP. Evidentemente a série foi acompanhada de uma colecção de fotogramas (com coloração manual, uma estreia, distribuída cá pela APR) e eu fui um dos que a começou e não acabou, pois eles saíam repetidos nas saquetas e a semanada era curta, pelo que trocava os que tinha a mais pelos que não tinha ou ganhava-os aos outros nas escadinhas do Sintra-Cinema na “chapadinha”: dando um golpe seco com a mão em concha sobre cromos que seriam meus se o vácuo os virasse de rosto. Foi assim que uma vez ganhei um cromo do Adam e noutra perdi um do “Joe”... Depois a Bonanza acabou, Lorne Greene entrou em mais trinta dos seus 65 filmes, Michael Landon fez Uma Casa da Pradaria (1974) e Um Anjo na Terra (1984), onde interpreta um papel ridículo, cresci, vim a descobrir que o Nevada era também o estado da misteriosa e muito restrita Área 51, que ainda deve ser, os heróis foram-se ao entardecer e eu fiquei desse tempo com um pedaço de papel pardo a dizer Ben Cartwright e três letras, NBC, prova de que algures no meu passado privei mesmo com a família de Ponderosa. 

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