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Delito de Opinião

Fora da caixa (24)

Pedro Correia, 05.10.19

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«Aquele que no dia da eleição ou no anterior fizer propaganda eleitoral por qualquer meio será punido com prisão até seis meses.»

Lei Eleitoral, art. 141.º

 

Cá estamos todos a "reflectir". Excepto os 60 mil compatriotas que optaram pela votação antecipada, há uma semana: esses não tiveram direito a reflexão com chancela oficial e 24 horas para o efeito inscritas no granito da lei - confirmando assim que aquele verso da cantiga, «em cada rosto igualdade», é pura treta.

Se o sol nascesse para todos, cada um de nós disporia dum dia inteirinho para reflectir, votasse quando votasse. Verifico que, em flagrante violação dos princípios constitucionais, aqueles mais se apressam a cumprir este relevante dever cívico são afinal penalizados: o Estado que nos pastoreia com os seus códigos e o seu fisco esquece-se deles, trata-os como eleitores de segunda, forçando-os a votar sem o período de reflexão legal que assegura aos restantes cidadãos.

 

Dizem-nos também que este é um dia de abstinência política, em evidente sucedâneo dos ancestrais jejuns de estrita obediência religiosa. Na era das redes sociais, este sacrossanto mandamento tornou-se ainda mais obsoleto: só a força da inércia tem impedido os doutos legisladores cá do burgo de o remeterem para o caixote do lixo da História - medida que só pecaria por tardia. Há desde logo uma clara correspondência etimológica entre abstinência e abstenção, o que não me parece muito estimulante enquanto factor de incentivo ao voto.

Mas todas as tradições acabam por ser quebradas. Também esta, a da interdição da propaganda política em véspera do exercício generalizado do direito a eleger quem nos governará na legislatura que vai seguir-se.

Bastou percorrer os telediários de hoje, mal soaram as badaladas da meia-noite.

 

Abertura do Jornal da Meia-Noite, na SIC Notícias:

«A DBRS subiu o rating da dívida soberana de Portugal, que está agora no terceiro nível acima do lixo. A agência canadiana explica a decisão com a melhoria persistente em vários indicadores-chave do rating. A DBRS espera ainda um compromisso com uma gestão orçamental prudente, independentemente do resultado das eleições de domingo.»

Quarta notícia do 24 Horas, na RTP 3:

«A agência de notação financeira DBRS subiu o rating de Portugal. Passou agora para o nível estável. É o terceiro acima de lixo e é o mais elevado dos últimos oito anos. A SBRS é a agência que tem a classificação mais elevada para a dívida portuguesa.»

Notícia igualmente destacada na 25.ª Hora, da TVI 24:

«A agência canadiana de notação financeira DBRS subiu o rating de Portugal. Uma notícia divulgada seis meses depois de a agência ter dito que ponderava rever em alta a notação de Portugal e em vésperas de eleições legislativas. De acordo com a agência de notação financeira canadiana, o risco do crédito de Portugal tem agora a classificação de BBB+, um nível acima da avaliação feita no início de Abril. Entenda-se que esta avaliação é aplicada à capacidade de um país pagar a sua própria dívida. A letra A indica a melhor classificação e a C ou a D considera o risco especulativo, também designado como "lixo". Também a perspectiva sobre a dívida portuguesa melhorou de estável para positiva.»

 

Bingo! Até uma agência financeira com sede no outro lado do Atlântico contribui para a ponderação do nosso voto.

Dá que pensar neste dia de reflexão.

3 comentários

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    Pedro Correia 05.10.2019

    A Lei Eleitoral está cheia de incongruências e de anacronismos.
    Não se pode caçar em dia de eleições, por exemplo. Que absurdo.
    Não pode haver sondagens nos últimos dois dias. Uma estupidez.
    O Estado tem de colocar uma linha telefónica à disposição de cada partido em todos os círculos eleitorais. Outra curiosidade de museu ainda plasmada na lei.
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    João Campos 05.10.2019

    Dá-te por feliz por ainda podermos reflectir se vamos almoçar carne ou peixe em dia de eleições, Pedro.
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