Fora da caixa (10)
«Tentámos tudo, mas foi impossível.»
Pedro Sánchez, presidente em exercício do Governo espanhol
Não conheço político mais afortunado que António Costa: as circunstâncias acabam sempre por favorecê-lo. Bafejado pelo ciclo de fortes estímulos introduzidos pelo Banco Central Europeu às economias periféricas durante esta legislatura, pela manutenção em baixa das taxas de juro e do preço do petróleo durante o mesmo período e pela nova estratégia global de Bruxelas, hoje muito mais compreensiva e benevolente para Portugal do que no quadriénio anterior. Aconchegado pelo abraço fraterno de um Presidente da República em quem não votou. Favorecido pela rendição dos partidos à sua esquerda, que da noite para a manhã puseram termo aos clamores contra o pacto de estabilidade e silenciaram os insistentes apelos à «renegociação da dívida», assinando de cruz quatro orçamentos do Estado. Robustecido enfim por uma crise sem precedentes neste século do maior partido à sua direita, onde até já se registou uma cisão.
Ainda há governantes assim, cada vez mais raros nesta era de turbulências: parecem sempre a coberto de ventos incómodos. Faltava a Costa a cerejinha em cima do bolo eleitoral, surgida nas últimas horas com a confirmação da ruptura entre o PSOE de Pedro Sánchez e o Podemos de Pablo Iglesias que levará os espanhóis novamente às urnas, a 10 de Novembro, para escolherem o próximo elenco do Congresso dos Deputados - as quartas eleições legislativas em quatro anos. Nem Sánchez nem o partido hermano do Bloco de Esquerda se entenderam nas negociações subsequentes às legislativas de 28 de Abril para uma solução governativa estável e coesa. Porque o PS de lá é mais fraco do que o nosso e o BE deles tem maior expressão eleitoral do que o congénere luso. Consequência: Espanha permanece há cinco meses sem governo em plenas funções e com um parlamento que se limita a cumprir serviços mínimos.
Costa aponta a dedo para a bagunça no país vizinho e acena aos eleitores de cá com a palavra mágica: estabilidade. Até isto o ajuda a pedalar para a cobiçada meta da maioria absoluta.
Reafirmo: não conheço político com tanta sorte.