Fora a árbitra
Vejo contínuas referências no discurso informativo corrente à chamada "revolução iraniana", consumada em 1979. Raras vezes numa perspectiva crítica - começando pela terminologia adoptada, induzindo o leitor ou o telespectador a pensar que em Teerão, há 40 anos, se registou um salto qualitativo em vez de uma manifesta regressão social e cultural. O Irão contemporâneo é uma feroz teocracia que prende, tortura, exila, violenta e mata. Mas estes verbos só costumam ser associados, no tal discurso jornalístico corrente, ao regime anterior, o da monarquia derrubada pelos aiatolás e as suas turbas fanatizadas.
Acabo de saber que a televisão pública do Irão proibiu, em cima da hora, a transmissão do jogo entre o Bayern de Munique e o Augsburgo, referente ao campeonato alemão, porque esta partida era arbitrada por uma mulher. De calções e cabelo solto, contrariando os decretos dos imãs, que continuam a mandar velar cabeças e corpos das iranianas a partir do momento em que deixam de ser crianças: só podem aparecer em público de rosto e mãos a descoberto.
É a este regime que alguns, por cá, continuam a conceder o epíteto de "revolucionário", por ter derrubado a "tirania do Xá". Como se não tivesse instaurado uma tirania muito pior, com a sua polícia religiosa, o seu vergonhoso cortejo de presos de consciência e o seu veto sistemático à participação das mulheres na vida política, nomeadamente como candidatas às eleições presidenciais.
Afinal, porquê tanta benevolência noticiosa? Apenas porque o Irão é um dos maiores inimigos públicos dos EUA e alguns, possuídos da mais primária ideologia anti-americana, ainda medem o seu posicionamento em função deste critério, decorrente da Guerra Fria. Nada mais absurdo, nada mais anacrónico. E o mais caricato é que muitos destes companheiros de estrada da teocracia iraniana passam o tempo a bater a mão no peito em invocação dos direitos humanos e das liberdades, negando na prática aquilo que apregoam na teoria.