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Delito de Opinião

Foi Ulisses, Van Gogh e Patton

Pedro Correia, 07.02.20

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Conheci poucos actores que tenham protagonizado tantas obras-primas dos mais variados géneros - do épico ao negro, da comédia ao drama, do western ao filme de aventuras.

Na tela foi Van Gogh, Ulisses, Doc Holliday, Ned Land, o general Patton. Entrou num dos melhores noirs de sempre (O Arrependido, 1947), na mais genial sátira ao jornalismo (O Grande Carnaval, 1951), numa assombrosa viagem aos bastidores de Hollywood (Cativos do Mal, 1952), numa fabulosa película anti-guerra (Horizontes de Glória, 1957).

Entrou noutras películas inesquecíveis: Carta a Três Mulheres (1949), Algemas de Cristal (1950), História de um Detective (1951), Vinte Mil Léguas Submarinas (1954), Duelo ao Pôr-do-Sol (1961), Duas Semanas noutra Cidade (1962), Sete Dias em Maio (1964) e O Compromisso (1969), entre tantas outras.

Filmou com quase todos os grandes mestres - Vincente Minnelli, Billy Wilder, Elia Kazan, John Huston, Robert Aldrich, Stanley Kubrick, William Wyler, John Sturges, Henry Hathaway, Anthony Mann, Joseph L. Mankiewicz, King Vidor, Stanley Donen, Otto Preminger.

Foi também um homem sem medo, na vida como nos filmes: rompeu com a lista negra de Hollywood que marginalizava profissionais talentosos por motivos políticos, contratando o proscrito Dalton Trumbo como argumentista de Spartacus, longa-metragem que interpretou e produziu em 1960.

A Academia de Hollywood, com a miopia que tantas vezes a caracterizou, nunca lhe concedeu um Óscar em competição. Redimiu-se da falha entregando-lhe uma estatueta honorária em 1996, tinha ele já quase 80 anos.

Débil consolo para aquele que foi o último protagonista da era dourada da Sétima Arte, gigante na tela como inspiração da vida: quando ele se ergue da multidão de escravos e proclama «Eu sou o Spartacus!», gera uma corrente de emoção que leva dezenas de outros a levantar-se para dizer o mesmo. É um dos momentos mais sublimes da história do cinema: vi esta cena pela primeira vez quando tinha 15 anos, assistindo à reposição do filme na BBC. Jamais a esquecerei.

Aos 103 anos, Kirk Douglas acaba de garantir um lugar perpétuo sob as luzes da ribalta: despede-se enfim da vida, abraçando a eternidade. Atento espectador dos seus filmes, um entre incontáveis milhões, daqui lhe presto uma reconhecida e grata homenagem.

 

Leitura complementar:

A one-man Hollywood Mount Rushmore. Um texto de Peter Bradshaw publicado no Guardian em Dezembro de 2016, quando Kirk Douglas celebrou cem anos.

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