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Delito de Opinião

Foi o medo que nos trouxe até aqui

Paulo Sousa, 17.02.22

Poucas sociedades sabem o que querem. Pelo contrário, sabem muito melhor o que não querem. As emoções toldam a razão e quem aspira a liderar uma sociedade, mais do que mostrar razoabilidade, bom sendo e visão de futuro, o que necessita mesmo é de um discurso que gere emoções. Quanto mais emocional for a sociedade, e por exclusão de partes menos racional, mais esta regra se aplica.

O medo é a emoção que melhor explica a recente maioria absoluta do PS. Os portugueses tiveram medo que o PSD ficasse refém do Chega, tiveram medo que as reformas que Rio pretendia fazer exigissem cortes como no tempo da Troika e tiveram medo das mudanças que sabem que com PS nunca ocorrerão. É certo que também não queriam uma maioria absoluta, fosse de que partido fosse, mas foi exactamente a soma de todos os medos que a explica. Sabendo que este seria o resultado, estou certo que muitos dos que votaram PS não o fariam.

Há muitos anos que os portugueses não votam movidos por emoções positivas. Lembro-me do tempo do cavaquismo e do entusiasmo de sentir na algibeira o real crescimento económico. O ânimo nacional pelo trajecto conseguido desde a instauração da democracia deixava-nos orgulhosos. Esse tempo teve o seu momento mais alto na Expo98 e depois disso tudo começou a arrefecer. No optimismo nacional, o euro2004 já não foi mais que um Verão de São Martinho.

Depois desses tempos, os portugueses passaram a decidir movidos por sentimentos negativos. Quiseram castigar os excessos do cavaquismo, quiseram castigar Guterres por ter desistido, Durão Barroso por ter emigrado, Manuela Ferreira Leite por ser cavaquista e austera, e Sócrates por nos ter levado à falência. Estranhamente votaram mais tarde maioritariamente na coligação PAF, mas apenas porque ainda não se tinham esquecido da bancarrota. Depois disso os portugueses votaram contra a austeridade e desta vez votaram com medo do Chega e das reformas.

E assim vamos andando. Faltos de esperança e de ambição.

Olhando para qualquer um dos candidatos que possam a breve prazo vir a liderar o PSD, o ainda maior partido da chamada direita portuguesa, não antevejo em nenhum deles a capacidade de dar voz e corpo a uma mensagem positiva, a uma emoção mobilizadora que não seja contra algo. Daqui a quatro anos, quase cinco, talvez possa ser apelativo querer acabar com os excessos da maioria absoluta do PS, mas apesar do tempo se mover com demasiada rapidez, ainda falta muito para chegar a esse dia e o próximo líder antes disso terá de lutar para sobreviver a uma longa travessia do deserto. No PSD o sangue novo é escasso. O carreirismo jotista só fica atrás do do PS e apenas pela incapacidade de chegar ao poder.

Carlos Moedas será actualmente o único possível líder dos sociais-democratas capaz de criar uma mensagem positiva, mas estou certo que cumprirá o seu mandato à frente da Câmara Municipal, sendo que pela natureza da política autárquica um mandato é sempre insuficiente para deixar um legado.

Tal como vimos no passado dia 30, sem uma alternativa pela positiva, o PS e a sua máquina de comunicação com tentáculos em quase todos os órgãos de informação, é capaz de resistir às mais dolorosas tragédias como as dos incêndios florestais, a assaltos a instalações militares, a um governo quase siamês do de Sócrates, ao nepotismo, aos clãs familiares de poder, ao caso Raríssimas, ao assassinato de um cidadão às mãos do SEF, às infindáveis trapalhadas e literais atropelos de Eduardo Cabrita, ao colapso do SNS durante a pandemia, à emigração continua da geração com a melhor formação académica de sempre, à domesticação das instituições que deveriam servir de contra-peso ao poder e que pouco a pouco estão todas nas mãos dos boys e girls socialistas. A eles tudo lhe é perdoado, tudo é relativizado.

Ainda antes da vergonhosa trapalhada com os votos dos emigrantes, sobre o que a Cristina e o jpt já aqui postaram, a saúde da nossa democracia já tinha descido vários pontos nos rankings internacionais. Não será esta maioria absoluta que irá inverter a tendência. Antes pelo contrário.

As ondas de choque desta incompetência chegaram agora ao Tribunal Constitucional, que ordenou a repetição do acto eleitoral no círculo da Europa. O mais previsível é que venha a verificar-se uma enorme abstenção. Os nomes de quem está por detrás deste triste episódio não estão certamente guardados nos paióis de Tancos, pelo que seria importante que fossem tornados públicos. Não que o envolvimento nesta vergonha os impeça de virem a assumir relevantes cargos públicos, mas pelo menos para quando isso acontecer entendermos que são nestes detalhes que se alimentam os partidos de protesto. Já aqui escrevi também sobre o benefício que o PS retira do vigor do Chega, e de como a relação entre estes dois partidos pode ser descrita, recorrendo ao conceito de externalidade positiva usada em microeconomia. Ambos ganham com a existência do outro, tal como no exemplo académico do pomar que tem uma colónia de abelhas na vizinhança.

Não preciso de dizer o quanto desprezo a agremiação de André Ventura, mas para encerrar este capítulo só faltava agora era que fosse o terceiro partido mais votado a conseguir um dos dois mandatos ainda por apurar. Isso seria um hino aos sentimentos negativos que nos trouxeram até aqui.

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