Fisco desonesto num Estado ladrão
Se há entidade em Portugal que continue a precisar de reforma é a Autoridade Tributária. Há décadas que funciona mal e a única melhoria visível foi que passou a cobrar tudo: aquilo que lhe é devido por todos nós, contribuintes, e o que lhe é indevido e resulta do mau funcionamento da máquina e do princípio de que todo o contribuinte é um potencial relapso e quer fugir ao fisco.
O drama depois agudiza-se com a falta de resposta às solicitações dos contribuintes, com a impessoalidade da máquina, e com a criação de mecanismos que para muitos são uma fonte de incómodos, preocupações e despesas desnecessárias, em especial se forem residentes no estrangeiro.
Por um lado, obriga-se o emigrante a ter um representante fiscal em Portugal, exigindo ao contribuinte, mesmo o que não tem família próxima ou amigos em Portugal, e teve o azar de herdar 1/8 de um imóvel velho e a cair aos bocados, que no caso até podia ser uma garagem, a encontrar alguém que não se importe de o ser.
Depois, quando não há ninguém disponível, até porque uma pessoa já está fora há umas décadas e se lembrou de comprar uma casa para a reforma, a solução é pagar a alguém – advogado, contabilista, ex-funcionário do fisco reformado – para ser seu representante fiscal, embora este não seja tido nem achado, muitas vezes nem sequer para receber notificações.
Uma pessoa actualiza a morada no cartão do cidadão, comunica a sua residência fiscal no estrangeiro, vive comprovadamente no estrangeiro há dezenas de anos, está registado no Consulado onde tirou o cartão de cidadão, a morada que deste consta é no estrangeiro, mas o fisco não quer saber de quaisquer comprovativos e não actualiza a sua residência sem um representante fiscal, continuando a dá-lo como residente no país para efeitos fiscais.
Mas pior do que isso é o contribuinte ter representante fiscal, receber habitualmente notificações electrónicas pelo portal ViaCtt, verificar que na sua página da Autoridade Tributária está tudo a verde, e de um dia para o outro fica tudo a vermelho e só então a saber que tem uma execução fiscal por falta de pagamento de uma prestação do IMI, cuja nota de cobrança não foi enviada pelo correio para o representante fiscal, nem para o portal ViaCtt.
Conforme se pode verificar pela foto acima, a última notificação enviada ao contribuinte através do referido portal foi a nota de cobrança relativa à primeira prestação do IMI, em 30/04/2022, e a notificação seguinte que surge é a relativa à instauração da execução. Esta inicia-se não porque a anterior não tenha sido paga a tempo e horas, mas porque a segunda prestação, da qual não houve notificação para cobrança e cujo pagamento terminava no final de Agosto, não foi enviada ao contribuinte.
É claro que quando o contribuinte se apercebe do que está a acontecer fica fulo, protesta, o que de nada lhe serve, até porque está longe, e vai pagar. Só que aqui também tem de contar com as custas da instauração da execução, que são mais umas dezenas de euros. Para o mesmo bolso.
De outras vezes, é a liquidação do imposto que nunca mais é feita para pagamento do que é devido por o contribuinte ter ficado na partilha com mais do que lhe seria atribuído, visto que nenhum dos outros herdeiros quer o mono. O notário não envia os documentos para registo sem o recibo da AT e esta só remete a guia para pagamento tarde e a más horas, pelo que quando o registo é feito na Conservatória escoaram-se os sessenta dias e aquele já vai fora do prazo, havendo que pagar a multa.
E de nada serve escrever através dos canais disponíveis, porque as respostas e os esclarecimentos sempre tardam, quando não são simplesmente ignorados, e não são os funcionários quem faz as leis ou respondem pelo mau funcionamento do sistema.
No fim, como habitualmente, quem se trama sempre é o contribuinte.
Para que a máquina continue a sacar aos diligentes e cumpridores enquanto a canalha que andou a roubar o país goza a reforma nas "Comportas", faz ski em Val d'Isère com o salário mínimo nacional, ou vai comendo uns percebes e umas lagostas na Ericeira e n' O Pescador nos intervalos dos julgamentos.