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Delito de Opinião

Final feliz

Pedro Correia, 20.11.21

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Andava há anos atrás de um romance de José Rodrigues Miguéis que não conseguia encontrar em lado algum: O Milagre Segundo Salomé. Houve quem me garantisse que era a obra-prima deste grande prosador injustamente esquecido.

Há escritores com sorte e escritores com azar. Miguéis figurou quase sempre entre os últimos. Nunca integrou o catálogo das mais prósperas editoras: ligado durante décadas à chancela Estúdios Cor, passou a figurar após a morte, em 1980, entre os autores da Estampa, desaparecida em 2017 por insolvência. Os seus livros eclipsaram-se do mercado, excepto em ocasionais bancas de revenda.

Em Agosto de 2019 cheguei a fazer aqui um apelo aos leitores do DELITO, na expectativa de que algum me pudesse fornecer uma pista de acesso ao romance oculto, publicado em 1975. Até nisso Miguéis teve pouca sorte: escrevera na década de 50 este livro que nem tentou editar então por imaginar que não passaria no crivo da censura salazarista. Supôs que a obra pudesse ser bem recebida naquele ano subsequente ao 25 de Abril. Acontece que passou despercebida: o processo revolucionário fervia a todo o vapor, só o imediatismo político prevalecia à época, ninguém quis saber de uma narrativa com cerca de 700 páginas situada no final da monarquia constitucional e nos primeiros lustros do regime republicano, várias décadas atrás.

 

Na Feira do Livro de Lisboa, em Agosto, percorrendo um pavilhão especializado em títulos antigos, encontrei enfim um exemplar d' O Milagre Segundo Salomé - em estado novo, passe a ironia. Mas era só o primeiro volume, que li em poucos dias com imenso prazer, comprovando que se trata de superlativa obra literária. Iniciei então pesquisa exclusiva pelo segundo volume, sempre esgotado, nos alfarrabistas digitais. Até que tropecei num velho exemplar disponível na Amazon, mas por 50 euros. Preço de usurário - de "onzeneiro", como diria mestre Gil Vicente.

Solucionei a questão de outra forma. Passei há dias pela biblioteca do Palácio Galveias, ao Campo Pequeno, e perguntei se tinham algum exemplar deste volume. Resposta pronta, eficiente - e afirmativa. Em escassos minutos preenchi um formulário digital que me tornou portador de cartão de leitor, sem qualquer custo, e recebi de imediato o ansiado livrinho, trazendo-o para casa durante um mês.

 

Triplo motivo de satisfação. Por ver enfim a minha pesquisa bem-sucedida. Por voltar a mergulhar na bela prosa de Miguéis, um dos nossos melhores ficcionistas de sempre. E por fazer um manguito aos ladrões da Amazon

Eis o que se chama um final feliz.

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