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Delito de Opinião

Fictiongram, continuação da continuação

Patrícia Reis, 02.12.15

Onde a sombra dela se mostra; o fio da roca não é um conto de fadas; Carlota é a coisa estúpida que não arfa; o fim do sexo demora a passar;  passamos aos negócios

 

Carmen sorriu. Não tinha nada a perder. Estava convencida de que Jaime nada teria contado sobre a sua vida ao irmão. Era essa a pouca importância que ela tinha: uma vida que não interessava. Talvez fosse pouco importante. Talvez a sua história não tivesse os contornos apropriados. Jaime pouco sabia das sombras que desciam sobre ela. Paulo estava a ouvir. Carmen decidiu aproveitar.

 

Queres saber da minha mãe? Ama o meu pai. Cumpre as tradições. Tem imenso brio nas suas baixelas de loiça. Alterna no Natal. Faz questão de só beber gin e, mesmo assim, só depois das seis da tarde. Não tem conversas com o meu pai. Não é possível ter conversas com o meu pai. Ouve o seu querido marido com certo enlevo e a concentração que lhe dedica é semelhante à das mães que dão de mamar.

 

Carmen, tu precisas de fazer terapia.

 

Não precisamos todos?

 

Entretanto, Carlota tinha pensado em todas as coisas obscenas possíveis​, cenários, palavrões, ordens, tudo isso na cabeça dela a correr como uma legenda de uma série de origem estranha, dinamarquesa, sueca, qualquer coisa. Não podia dizer a Martim que o sexo, se mental, para ela era auditivo e, para tudo isso, para conseguir chegar lá, precisava de mais do que só o ouvir arfar, precisava de palavras concretas. Se lho dissesse iria pensar que ela, ela na sua saia de haute-couture, era uma puta? Provavelmente. Pensou em tudo e percebeu o corpo dele terminar o orgasmo em cima do seu corpo como quem percebe que perdeu qualquer coisa: as chaves de casa, o táxi da esquina, o elevador. Carlota e as coisas estúpidas de se ser apenas Carlota.

 

Martim sorriu-lhe e ela viu como os seus dentes, imaculados, tinham um resto de qualquer coisa. O feio pareceu-lhe mais feio por causa disso, porém devolveu o sorriso. Não queria sair de dentro dela, ele, o seu sexo a cair, a diminuir. A coisa humilhante de ser bem educada e esperar. Carlota concluiu

 

Não servias para puta.

 

Martim aprendera pouco sobre as mulheres. Não era sensível como Jaime, instruído nas emoções como Paulo. Não. Era um homem de negócios, pragmático, alguém que decidira que a vida teria de lhe sorrir por ser incapaz de se imaginar pobre ou medíocre. Assim, depois do sexo, rápido, eficaz, acreditou que falar sobre as operações complexas do stock de bebidas das discotecas era um tema como qualquer outro. Carlota fez duas perguntas inteligentes e deu consigo a sorrir. Talvez não fosse apenas um encontro de uma noite. Carlota podia ser mais.