Festa estragada
Bem se compreende que os regimes celebrem as suas datas fundacionais porque o novo é melhor que o anterior, acredita quem o celebra e assim se relegitima. Países há que, não tendo regime novo para celebrar, porque sempre tiveram o mesmo, escolhem por exemplo a data da sua independência ou nascimento – é o caso dos EUA com o 4 de Julho e seria o caso do Reino Unido se quisesse comemorar o dia da sua união formal, que foi o 1º de Maio de 1707.
Nós celebramos o dia 25 de Abril pela mesma razão que antes o 28 de Maio. E também o 5 de Outubro porque despedimos a monarquia e os republicanos, que são a maioria, veem nisso um grande progresso civilizacional.
Se celebrássemos o país e não o regime o tal 5 de Outubro estaria bem – mas de 1143, não de 1910. E o 1º de Dezembro também, que nesse dia, em 1640, despedimos a dinastia filipina e ficamos com os Braganças.
Sucede que o 25 de Abril de 1974 é uma data equívoca porque nela não nasceu a democracia mas a balbúrdia. A democracia estava lá, mas também a comunistada. E foi preciso nova data, 25 de Novembro do ano seguinte, para enterrar o PREC e forçar o PCP a um grande respeito pela democracia burguesa, que o intelectual Pacheco e outros pensadores encartados acham que ele tem.
Ou seja: A data é celebrada genuinamente pelos que têm saudades do que chamam “poder popular”; e pelos outros um pouco a contragosto porque se os primeiros tivessem ganho a partida seríamos todos, fora os autoexilados, que seriam legião, cubanos sem charutos e com menos sol.
Seja como for, naquele dia há discursos e um grande sortido de partes gagas – faz parte. Com desconforto ou sem ele é um dia em que se comemora o direito que tem todo o cidadão de ser exposto a opiniões diferentes, e até opostas, do que seja o bem comum, e em que vão orar as pessoas que, bem ou mal, foram livremente escolhidas, uns para mandar e outros para os atanazar e atirar abaixo, se puderem, em datas aprazadas.
É coisa nossa, e íntima, mesmo que usemos o dia para ir à praia ou para o sofá, e nos poupemos ao cerimonial pindérico e ao enjoo das sessões comemorativas.
De modo que a Assembleia da República teria feito bem em não convidar Lula para aquela data. Este representa o Brasil, tal como antes dele Bolsonaro, mas não é possível imaginar que, naquele dia, será o Brasil que estará no Palácio de S. Bento. Poderia ser em qualquer outro dia, mas no 25 de Abril será o capo da esquerda porque a distinção só pode significar que este Presidente é especial: é um democrata enquanto o outro, que também ganhou as eleições, não as poderia ter ganho, razão pela qual seria absurdo tê-lo convidado à época. A AR, aliás, nunca o poderia ter feito porque nela a esquerda, toda ela, recuaria com horror: o quê, Bolsonaro, esse fascista?! Ai credo que o 25 do quatro é a data da democracia, semelhante energúmeno não pode ser recebido.
Para o caso importa pouco saber de onde partiu a peregrina ideia do convite que a AR convalidou. Um ministro apagado pôs a boca no trombone, mas talvez Marcelo esteja na origem – ele costuma estar no centro dos redemoinhos políticos se tiverem uma componente de rodilhices e superficialidades.
A chamada direita, com mais ou menos reservas, cedeu à chantagem da esquerda: não se pode ofender o Chefe de Estado de um país amigo.
Não poderia se se devesse entender que a AR tem pelo Brasil algum menosprezo; pode se ficar claro que uma parte da AR, que é a esquerda, quer tomar partido em assuntos internos do Brasil, aprovando a escolha mais recente do eleitorado daquele país e desprezando a dos deploráveis que fizeram a anterior.
Finalmente: As alegações sobre a falta de alinhamento entre as posições do Brasil e as de Portugal no que toca à guerra da Ucrânia são bizarras: Desde quando se recebe ou deixa de receber um chefe de Estado porque tem posições diferentes das nossas em matéria de política externa? O Brasil quer uma nova ordem internacional na qual tenha, com a China no leme, mais vantagens do que as que tem com os EUA a ocupar esse lugar – é um engano lá deles. E nós queremos o que a UE quiser desde que mande subsídios – é um engano cá nosso.
O 25 de Abril ficará em 25 de Abril mais de esquerda do que já era. Bom proveito.