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Delito de Opinião

Felizmente temos o Nuno

Sérgio de Almeida Correia, 28.10.14

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Se pudéssemos dominar as palavras como

se domina um cavalo, com a rédea da retórica

a puxar os impulsos do sentimento e as esporas

da emoção a fazerem correr a frase até

ao fim do verso, o poema seria como a planície

por onde a imaginação cavalga sem freio nem destino,

liberta de cavaleiro e sela.

 

Ou então, se tivéssemos pela frente o oceano

da página e aí lançássemos a barca da estrofe, sem

antes ter perguntado qual o tempo que iria fazer

durante a viagem, veríamos nascer o temporal

 de dentro de um céu de substantivos escuros

como nuvens, e o medo do naufrágio pesar-nos-ia

no ritmo de uma queda de sílabas.

 

Mas se estivesses aqui, com o teu olhar

pousado num campo de palavras, não apenas

as que designam flores ou aves mas outras

como a terra, a lama, a erva, o verde sombrio

de um arbusto próximo, eu faria do poema

a raiz desse tronco que os invernos não arrancaram,

e alimentá-la-ia com a seiva do amor; e sentiria

nas suas folhas os cabelos da tua noite,

as nervuras da tua mão, o fruto dos teus lábios.

 

(Nuno Júdice, A Inspiração Nocturna, in O fruto da gramática)

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