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Delito de Opinião

Fé na ressurreição de um partido quase extinto

Nuno Melo

Pedro Correia, 21.02.22

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A cena teve uma triste simbologia, demonstrando aos incautos que também os partidos políticos podem morrer: bastaram poucos segundos para desaparafusar a placa que identificava o espaço reservado ao Centro Democrático Social na Assembleia da República. Uma força partidária que chegou a eleger 42 deputados, nas legislativas de 1976, e teve como líderes Diogo Freitas do Amaral, Francisco Lucas Pires e Adriano Moreira nos 15 anos iniciais parece hoje condenada ao eclipse total. Até o PAN e o Livre, etiquetas passageiras sem qualquer implantação no país, ultrapassaram o histórico CDS nas recentes legislativas. É um sinal dos tempos – em consequência da acumulação de erros primários numa agremiação que andou em busca da pureza identitária, fracturada por ódios tribais, característicos das claques de futebol.

Apesar de tudo, ainda lhe restarão hipóteses de sobrevivência? Nada mais natural que um partido de inspiração católica alimente a fé na ressurreição. Por agora, na vetusta sede do Largo Adelino Amaro da Costa – baptizado em homenagem ao malogrado co-fundador do CDS, um dos mais brilhantes oradores da história parlamentar portuguesa – os dias são de Quaresma antecipada. Com mortificação da carne e expiação dos pecados. Mas já um profeta se recorta no horizonte: João Nuno Lacerda Teixeira de Melo, 55 anos, advogado de profissão e político por paixão, há quase três décadas associado ao partido em que se inscreveu na idade adulta, sem cumprir qualquer peregrinação prévia pelas estruturas juvenis.

Ele anuncia que o CDS renascerá das cinzas, esperando ainda mobilizar uma militância quase extinta. Vai formalizar a candidatura à presidência neste sábado, fazendo-o com dupla legitimidade. Porque é o último deputado democrata-cristão que resta – não em São Bento, mas no Parlamento Europeu, onde tem assento desde 2009. E porque já manifestara essa intenção em Outubro, quando desafiou Francisco Rodrigues dos Santos a convocar de imediato um congresso electivo em que ambos seriam submetidos ao escrutínio das bases, anterior à corrida eleitoral no país. Desafio que lhe foi negado, com as consequências que sabemos.

Nuno Melo, minhoto nascido por acaso no Porto, diz-se «um combatente da direita moderada que luta pelas suas ideias» e não esconde que Paulo Portas é a sua «grande referência política em Portugal». Podia ter sido ele o sucessor de Portas, em 2016, mas optou por apoiar Assunção Cristas sem se envolver nas minudências políticas em Lisboa. Avança agora, no pior momento. Parte com um bom lema: «O CDS faz falta a Portugal.» E revela um desígnio louvável: chegou o «tempo de reconstruir.»

É fácil prever que será eleito por quem se dignar comparecer no congresso. Mais difícil é vaticinar-lhe sucesso nesta missão de nadador-salvador já tão fora de pé e tão longe da praia. Certamente leitor de Maquiavel, o eurodeputado não ignora este aforismo do mestre florentino: «A natureza criou-nos com a faculdade de tudo desejar e a impotência de tudo obter.»

 

Texto publicado no semanário Novo

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