Facto nacional de 2023
QUEDA DO GOVERNO DE MAIORIA ABSOLUTA
Em 2022, o PS emergia eufórico das urnas: acabara de conquistar a segunda maioria absoluta da sua história - a primeira havido sido em 2005, com José Sócrates. António Costa via-se inesperadamente premiado pelos eleitores após uma campanha desastrosa do PSD, em que Rui Rio foi acumulando erros do princípio ao fim. Com o BE e o PCP a pagarem o preço político de terem contribuído para a geringonça durante quatro anos e chumbado o Orçamento do Estado de 2022.
Mas o impensável aconteceu: o PS absoluto revelou-se muito mais frágil do que o PS relativo. O Governo recauchutado de Costa protagonizou uma sucessão de monumentais trapalhadas - desde os 14 ministros e secretários de Estado que foram abandonando o barco pelos motivos mais diversos até à inenarrável nomeação de João Galamba para ministro das Infraestruturas e à sua manutenção no cargo, contra todas as evidências e o parecer expresso do Presidente da República, por obstinação do chefe do Executivo, já desligado da realidade.
Tinha tudo para correr mal. E correu mesmo. O copo transbordou em 7 de Novembro, com o anúncio de que Galamba estava a ser investigado pelo Ministério Público, tal como o "facilitador" Diogo Lacerda Machado (melhor amigo do primeiro-ministro) e o próprio chefe de gabinete de Costa, Vítor Escária - este apanhado com 75.800 euros em notas escondidas no gabinete de São Bento, a escassos 20 metros da secretária do chefe do Governo. Pior ainda: o próprio Costa era alvo desta "Operação Influencer" por suspeita do crime de prevaricação.
«Obviamente, apresentei a minha demissão a sua excelência, o senhor Presidente da República», declarou o primeiro-ministro ao princípio dessa tumultuosa tarde. Marcelo Rebelo de Sousa anunciaria depois a dissolução da Assembleia da República a 15 de Janeiro (concretizada ontem) e a marcação de eleições legislativas antecipadas para 11 de Março. Virava-se a página, nada voltaria a ser igual.
Esta estrondosa queda do Governo de maioria absoluta foi eleita, por larga maioria, o Acontecimento Nacional de 2023 pelos autores do DELITO DE OPINIÃO. Que aqui, como em qualquer outro capítulo das nossas escolhas anuais, podem sempre votar em mais de um tema.
«Inenarrável, tanto o Governo, como a sua queda» - foi um dos comentários registados. «Apenas um ano depois de Costa nos garantir que iriam ser mais quatro anos», houve quem lembrasse. Enquanto a «descoberta de 75.800€ em dinheiro escondidos no gabinete contíguo ao de António Costa» justificava menção específica.
Em segundo lugar, não muito distante, ficou o colapso do Serviço Nacional de Saúde - tema que percorreu todo o ano de 2023 em Portugal e já se prolongou para 2024. Algo «gravíssimo», sublinhou um dos autores deste blogue. Enquanto outra voz se levantava para destacar isto: «Foi o facto de maior impacto directo na vida dos cidadãos deste país e é o exemplo acabado da falta de visão e má gestão dos sucessivos governos desde há muitos anos.» Já em 2022 este assunto fora aqui mencionado, oscilando entre as designações "caos nos hospitais" e "derrocada no SNS".
Terceiro lugar para a histórica Jornada Mundial da Juventude, que congregou em Agosto cerca de milhão e meio de visitantes, jovens na sua esmagadora maioria, transfigurando durante mais de uma semana a face de Lisboa. Também com a presença do Papa Francisco, nesta sua primeira visita à capital portuguesa enquanto dirigente supremo da Igreja Católica.
Três outros factos, cada qual com um voto. Passo a enunciá-los para ficarem lavrados em acta como sempre sucede, ano após ano, no nosso blogue:
- Revelações sobre abusos sexuais na Igreja (facto já mencionado no ano anterior).
- A bicicleta atirada contra as portas de vidro do Ministério do Ambiente: «É o símbolo de muito, senão de tudo o que sucedeu, ainda por cima coroado de rídiculo e inverosímil. Quando tentei explicar o que tinha sucedido a colegas estrangeiros, riram-se na minha cara, com imensa dificuldade em acreditar.»
- A decadência generalizada do regime, envolvendo acontecimentos já mencionados e alguns outros. Desta forma: «A queda do Governo; o afundamento do SNS; a estultificação do ensino público; o caso Galamba; a novela TAP, o que se descobriu na CPI e foi pressurosamente varrido para debaixo do tapete; 75 mil euros em notas encontrados escondidos em São Bento; a promiscuidade na gestão dos assuntos públicos.»
Facto nacional de 2010: crise financeira
Facto nacional de 2011: chegada da troika a Portugal
Facto nacional de 2013: crise política de Julho
Facto nacional de 2014: derrocada do Grupo Espírito Santo
Facto nacional de 2015: acordos parlamentares à esquerda
Facto nacional de 2016: Portugal conquista Europeu de Futebol
Facto nacional de 2017: Portugal a arder de Junho a Outubro
Facto nacional de 2018: incúria do Estado
Facto nacional de 2019: novos partidos no Parlamento
Facto nacional de 2020: o vírus que nos mudou a vida
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Facto nacional de 2022: o regresso da inflação