Fábula
Com tanto teatro, torna-se difícil perceber a estratégia da União Europeia em relação à Grécia, mas é possível que amanhã haja acordo entre as partes e que a dramatização dos últimos dias tenha servido para facilitar a passagem de medidas impopulares no parlamento grego. Não se pode excluir o cenário de saída da Grécia da zona euro, que envolveria ajuda humanitária em larga escala, mas sendo a relutância final do FMI, esse desfecho parece menos provável, pois não será certamente o FMI a ditar as políticas europeias.
Nos últimos dias, temos assistido a um elaborado jogo de sombras que visou eliminar os obstáculos ao acordo: os deputados radicais do Syriza recusam reformas sem as quais a economia grega continuará a ser indefinidamente subsidiada pelos europeus; e o eleitorado dos países credores não quer dar mais dinheiro e teve de ser submetido a uma barragem sobre os terrores da eventual saída da Grécia da zona euro. Se o governo Tsipras fizer o colossal aumento de impostos, o drama passará para a fase seguinte, que inclui a negociação do terceiro resgate, com novo pacote de reformas e perdão de dívida, nenhuma solução mágica, pois a Grécia tem grandes facilidades no respectivo pagamento. Para os europeus, está em jogo uma pequena economia que corresponde a 2% da zona euro; para os gregos, trata-se de evitar a calamidade que representaria o abandono da moeda única (inflação, taxas de juro incomportáveis, isolamento, falências e protestos).
Em caso de Grexit, a desvalorização da nova moeda permitiria acelerar o crescimento, mas a Grécia teria na mesma de fazer reformas estruturais impopulares. Os europeus ganhavam um Tratado Orçamental mais sólido, pois nenhum dos países da zona euro se atreverá no futuro a desequilibrar as contas públicas. Como os tratados europeus não prevêem a situação de saída, era necessário criar uma solução legal, por exemplo, suspensão temporária enquanto ocorressem incumprimentos, mas a recuperação grega era mais rápida e a zona euro fortalecia-se. Apesar de tudo, o plano implicava elevado custo e alguma incerteza sobre um possível efeito dominó.
Do ponto de vista de Portugal, é bem melhor que não ocorra o Grexit. Politicamente, os dois cenários possíveis são extremamente negativos para os partidos da esquerda, sobretudo o acidente de saída. Esta história foi sendo contada como a fábula da capuchinho vermelho e do lobo mau, o que daria sempre lugar a tragédia: ou o lobo passa fome ou a capuchinho vermelho é comida. Na realidade, estamos perante interesses nacionais e perante uma negociação que, envolvendo a soberania de nações livres, dará um resultado com vantagens para todos e sem rendição incondicional de qualquer das partes, pois na hipótese extrema escolhe-se o mal menor. A esquerda portuguesa nunca viu assim o problema, portanto, não poderá explicar 'as cedências' do governo grego ou a ausência de alternativa às políticas ditas de austeridade.