Exilado até na morte
Huber Matos, com Fidel Castro e Camilo Cienfuegos em 1959
Huber Matos, um dos heróis da revolução cubana, morreu ontem, aos 95 anos. No exílio, em Miami, onde se encontrava desde 1979, após uma longa detenção nos cárceres castristas. Manteve-se fiel ao ideário por que lutou na Sierra Maestra contra a ditadura de Fulgencio Batista -- ideário logo atraiçoado pela nova ditadura imposta aos cubanos por Fidel Castro.
A 19 de Outubro de 1959 -- apenas dois dias antes de ser encarcerado e a nove dias do desaparecimento de outro herói da revolução, Camilo Cienfuegos, cuja morte permaneceu sempre envolta em mistério -- este antigo professor que comandou a chamada Coluna 9 do Exército Rebelde na quase mítica investida contra Santiago escreveu uma corajosa e premonitória carta a Fidel Castro em que renunciou a todos os cargos e honrarias do novo regime. Uma carta que lhe valeu duas décadas de privação da liberdade.
Vale a pena lê-la: é um documento extraordinário. Escrito por um lutador contra a opressão que soube detectar os primeiros indícios da deriva autocrática do novo regime e que recusava ver uma ditadura substituída por outra: "Es bueno recordar que los grandes hombres comienzan a declinar cuando dejan de ser justos."
Pagou um preço duríssimo pela coerência. E por ter ousado dizer em voz alta aquilo que o ditador não tolerava escutar. Foi o primeiro de muitos, condenados à morte cívica pela tirania de Castro -- antes de Cabrera Infante, Carlos Franqui, Heberto Padilla, Virgilio Piñera, Néstor Almendros, Reinaldo Arenas, Norberto Fuentes, Jesús Díaz, Eliseo Alberto, Carlos Alberto Montaner, Raúl Rivero, Zoe Valdés e tantos outros. Nos círculos do regime passaram a chamar-lhe "terrorista anticubano", com a linguagem típica das ditaduras, sempre prontas a instrumentalizar o vocabulário ao serviço da oligarquia dominante.
Os restos mortais de Huber Matos -- exilado até na morte -- só serão depositados em Cuba, por sua vontade expressa, quando a liberdade por que ele tanto lutou ali enfim chegar. Pode ser a passo de tartaruga, como ironiza Yoani Sánchez no seu blogue, mas chegará. Como escreveu Padilla, um dos poetas banidos pela ditadura, "protege-te dos vacilantes / porque um dia saberão o que não querem".