Exemplos de Vida
Hoje a minha sobrinha Matilde foi ao programa do Medina Carreira prestar o seu testemunho enquanto voluntária num campo de refugiados na Grécia. Desde que chegou que tem tido vários convites e eu sigo sempre tudo, muito atenta, de olhos colados ao ecrã. Porque tenho um imenso orgulho na forma como estabeleceu prioridades na sua vida, mas também porque tenho um raio de um defeito de profissão que me faz analisar a pertinência das perguntas e o peso de cada palavra no resultado da comunicação.
Gosto da forma como ela resiste em cair em histórias sensacionalistas, mesmo quando há insistência da parte do entrevistador. E gosto da forma como se ri e oferece uma resposta curta quando quer escapar a um tema sobre o qual prefere não falar.
Gosto desta ética. Da forma como não assume que os episódios hediondos que lhe passarem pela frente são sua propriedade. Que o sofrimento extremo de terceiros, mais do que uma boa história para contar, é matéria para respeitar.
No outro dia perguntavam-lhe em tom afirmativo se após esta experiência se tinha tornado uma pessoa diferente. É preciso não conhecer a Matilde para não perceber que ter estado num campo de refugiados, em situações limite, é apenas mais um degrau no caminho de vida que tem construído na ajuda ao próximo.
Não acontece a uma miúda qualquer acordar um dia e debandar para um campo de refugiados. Há um percurso que já se fez, há uma cabeça que já estabeleceu prioridades, há um coração que cresceu até ficar maduro.
Só está preparado para uma missão destas quem já lidou de perto com a morte, com cenários de pobreza extrema e com pessoas em registo de sobrevivência. Só sabe fazer isto quem desenvolveu o instinto de agir antes de olhar a juízos de valor. Quem aprendeu a ler o sofrimento alheio e a perceber que ferramentas tem para o poder minimizar.
E quem conhece a Matilde sabe que ela já tinha aprendido tudo isto antes de embarcar para a Grécia. É por isso que a experiência, ainda que brutal, não representa mais do que um dos muitos degraus que tem vindo a escalar.
É por isso que ouvi-la falar é comoventemente inspirador.