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Delito de Opinião

Eunice

Pedro Correia, 15.04.22

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Nunca entrevistei a Eunice - e tenho pena. Era assim que os portugueses a conheciam: Eunice. Representou durante mais de sete décadas, até há poucos meses. A bem dizer, até ao fim. Só lhe faltou morrer em palco para avolumar o mito. Mas teve uma carreira artística plena e foi consagrada pelo maior dos títulos: a ovação contínua dos espectadores. Que foram mudando, só ela se manteve.

Parecia eterna, como parece o grande Rui de Carvalho, agora o último sobrevivente daqueles gigantes portugueses da arte de representar nascidos há cerca de cem anos, na década de 20 do século passado. A Carmen Dolores, o Raul Solnado, a Milu, o José Viana, a Glicínia Quartin, o Armando Cortez. A enorme Amália. 

Vi-a no cinema desde miúdo (em filmes como Camões e Ribatejo), lembro-me dela desde sempre na televisão (por exemplo n'O Jogo da Verdade, primeira série dramática produzida pela RTP, e A Banqueira do Povo, talvez a melhor telenovela portuguesa já realizada) e aplaudi-a no teatro (em peças como Gin GameA Casa do Lago). Como se costuma dizer, era muito lá de casa. Das casas de todos nós.

Era de outro tempo, tinha contracenado com figuras quase lendárias, parecia transportar consigo toda a memória do palco. De uma irrepreensível qualidade em vários registos, do drama à comédia. Não se ajustava aos tradicionais cânones da beleza mas era daquelas raras figuras que bastavam irromper em cena para deslumbrar a plateia com o fulgor do seu magnetismo pessoal.

Ao contrário de tantas outras neste país ingrato, Eunice Muñoz foi repetidamente e justamente louvada em vida. Até na sua Amareleja natal, contrariando o aforismo bíblico de que ninguém é profeta na sua terra. E mereceu também o apreço unânime dos colegas de profissão, nada fácil de alcançar. 

Entra em definitivo na imortalidade após uma vida longa, cheia e realizada. Inclino-me em sua memória, numa vénia sentida e grata.

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