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Delito de Opinião

Estrelas de cinema (27)

Pedro Correia, 29.01.19

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TIRO E QUEDA

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Esteve quase para ser uma mini-série, dada a crescente tendência migratória dos melhores realizadores contemporâneos para os circuitos televisivos. Mas acabou por tornar-se longa-metragem. E este formato faz todo o sentido: estamos perante uma assumida homenagem ao western, género cinematográfico por excelência dos Estados Unidos. Nada estranho aos irmãos Coen, que em 2010 assinaram o assombroso Indomável (True Grit no original), com Jeff Bridges no papel que quatro décadas antes valera a John Wayne o único Óscar da sua carreira para melhor desempenho masculino.

A Balada de Buster Scruggs – prémio para melhor argumento no último Festival de Veneza – é um filme em seis episódios, independentes entre si, tendo apenas como traço de união os ecos mitológicos do velho Oeste onde imperava a lei do mais forte. Mas não se pense que estamos perante uma récita de lugares-comuns: Ethan e Joel Coen pegam no western e dão-lhe a volta com desenvoltura artística cruzando-o com outros géneros, da comédia ao drama, sem esquecer o musical. Beneficiando da colaboração de Bruno Delbonnel, que em 2001 se destacou como director de fotografia desse êxito de crítica e de bilheteira que foi O Fabuloso Destino de Amélie Poulain.

Estamos no território eleito da mais célebre dupla contemporânea de cineastas, no auge do seu transbordante talento. Um território onde as fronteiras da imaginação se dilatam, como ocorreu em Fargo (1996) ou Destruir Depois de Ler (2008), abrangendo uma vasta gama de registos, do cru realismo ao mais delirante nonsense. Constituindo, em qualquer dos casos, um tributo explícito à conquista do Oeste, indissociável da idade de ouro do cinema, que a reconfigurou pela mão de gigantes como John Ford, Howard Hawks ou Raoul Walsh.

Seguramente qualquer dos mestres aplaudiria estas histórias – começando pela primeira, que dá nome ao filme, sobre Buster Scruggs, um cowboy cantor (à imagem de um Roy Rogers ou um Gene Autry) «procurado por misantropia», vivo ou morto, cruzando notas musicais com balas do seu colt justiceiro. Ford talvez elegesse a última, rodada no interior de uma diligência, em citação óbvia do seu western seminal Cavalgada Heróica (de 1939), o filme que Orson Welles jurou ter visto pelo menos 40 vezes antes de rodar O Mundo a Seus Pés.

Há aqui de tudo: heroísmo, bravura, depravação, luxúria, cobiça e traição. Como na vida, afinal. Cada espectador terá os seus episódios preferidos: o meu é protagonizado por Tom Waits, na pele de um velho garimpeiro que sonha encontrar pepitas no mais idílico dos cenários, perante um deslumbrante panorama natural. Mas tal beleza é-lhe totalmente indiferente: este solitário caçador de ilusões, de pá e picareta, revolve o solo semana após semana, em busca de uma fortuna idílica que jamais achará.

Como dizia Gary Cooper na última fala de um western antigo, «se a terra fosse coberta de ouro, os homens batiam-se por um punhado de lixo».

 

 

A Balada de Buster Scruggs (The Ballad of Buster Scruggs, 2018). De Ethan Coen e Joel Coen. Com Tim Blake Nelson, Liam Neeson, James Franco, Brendan Gleeson, Zoe Kazan, Tyne Daly, Harry Melling, Tom Waits. Produção norte-americana. Duração: 132 minutos. 

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