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Delito de Opinião

Estrelas de cinema (25)

Pedro Correia, 01.03.18

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UMA ESTRADA PARA LUGAR NENHUM

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Há filmes que suscitam demasiadas expectativas por virem aureolados de elogios e atulhados de prémios: o confronto entre perspectivas e realidades torna-os decepcionantes. É o caso de Três Cartazes à Beira da Estrada, com base numa premissa com ilustre rasto no cinema norte-americano: o do confronto da cidadania militante com a prepotência ou a incompetência do poder.

Poderíamos esperar uma sátira agreste ou amarga a esta América profunda que vota sem remorsos em Donald Trump e permanece amarrada a mil atavismos. Poderíamos esperar um drama familiar sobre uma mãe que perde para sempre uma filha e desespera por não saber quem a matou. Poderíamos esperar, no mínimo, um thriller competente e com a marca funcional da indústria do entretenimento.

 

Não encontramos nada disto. Porque a meio do caminho este filme envereda por atalhos que o tornam numa mescla indiferenciada de géneros, acabando por não se fixar em nenhum. Não chega a ser negro, não chega a ser drama, não chega a ser melodrama, não chega a ser comédia, não chega a ser farsa, não chega a ser policial, não chega a ser uma sátira política, não chega a ser um corrosivo retrato da América contemporânea.

A indefinição de género leva o realizador anglo-irlandês Martin McDonagh a activar um insólito mecanismo de compensação, acentuando o traço grosso, sem matizes nem subtilezas. Os actores representam em permanente overacting – incluindo Sam Rockwell, admirável na personificação possível de um polícia do Missouri que muda mais vezes de personalidade do que de camisa ao longo do filme, e Frances McDormand, aqui numa espécie de recriação do seu desempenho na excelente mini-série televisiva Olive Kitteridge, mas sem o irrepetível fulgor de Fargo, que em 1997 lhe valeu um merecidíssimo Óscar.

 

Os clichês acumulam-se, as inverosimilhanças sucedem-se a um ritmo vertiginoso, protagonistas e secundários deixam de ser credíveis para se tornarem meras caricaturas à mercê dos caprichos de um roteiro demasiado errante, elaborado pelo próprio McDonagh, aliás com largo currículo como dramaturgo e argumentista (e que em 2008 rodou o delicioso Em Bruges).

A mais bem conseguida personagem desaparece a meio do filme, sem que ninguém perceba que estranho imperativo do guião a leva a ser suprimida. E a trama não se resolve: sabemos tanto no fim como sabíamos no princípio, o que é uma fraca carta de recomendação para qualquer longa-metragem que não aspire a figurar numa antologia de películas esotéricas.

Eis, portanto, um filme que promete muito mais do que dá. Desperdiça um bom fio ficcional, actores talentosos e algum virtuosismo técnico por nunca saber ao certo para onde vai. Estaciona à beira da estrada, como os cartazes. Uma estrada que afinal não conduz a lugar algum.

 

 

 

Três Cartazes à Beira da Estrada (Three Billboards Outside Ebbing, Missouri, 2017). De Martin McDonagh. Com Frances McDormand, Woody Harrelson, Sam Rockwell, John Hawkes, Peter Dinklage.

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