Saltar para: Post [1], Comentar [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Delito de Opinião

Este país que arde

Pedro Correia, 20.06.17

image[4].jpg

 Foto: Rafael Marchante/Reuters

 

António Costa tinha razão há um ano: "Não é por haver vento que há incêndios nem é por haver calor que há incêndios."

Nisto parece divergir da sua parceira de geringonça, Catarina Martins, que agora apela à dança da chuva, já esquecida do tempo em que o Bloco de Esquerda proibia outro Governo de  "encontrar justificação na meteorologia" para justificar a criminosa multiplicação dos fogos florestais.

 

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

O PS parece esquecido da pedagogia da responsabilidade política assumida por uma das suas figuras de referência, Jorge Coelho, que em 2001 anunciou a imediata demissão do cargo de ministro do Equipamento Social, mal foi conhecida a derrocada da ponte de Entre-os-Rios, causando a morte de 59 pessoas. Agora a tendência por cá é precisamente a inversa: a ministra da Administração Interna, que pelo segundo Verão consecutivo despertou tarde para a tragédia dos fogos, só surgiu em Pedrógão após o Presidente da República já estar no terreno e mesmo então pareceu mais preocupada em aparecer na televisão, afastando do caminho o secretário de Estado Jorge Gomes. Há pequenos gestos que dizem tudo sobre quem os pratica.

Não duvido que Constança Urbano de Sousa esteja com "o coração destroçado", como o seu colega da Agricultura, Capoulas Santos, e outros responsáveis governamentais que têm acorrido às televisões em evidente estratégia de contenção de danos, já com 64 óbitos confirmados naquele concelho.

Nada disto apaga a memória da controversa extinção do Corpo Nacional da Guarda Florestal, ocorrida em 2005, quando o actual primeiro-ministro ocupava a tutela da Administração Interna. Extinção que o Executivo confirmou há um ano, contra todas as evidências de que a GNR está muito longe de ser uma entidade vocacionada para assegurar a vigilância das florestas, e quando já era sabido que Portugal tinha metade da área ardida na totalidade dos 28 Estados membros da União Europeia.

 

Continuamos a andar de passo trocado neste país que gasta anualmente 80% dos recursos nesta área disponíveis no combate aos fogos e destina apenas 20% da verba à prevenção, enquanto vê arder 250 milhões de euros também por ano.

Um país que possui um Plano Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios cujo último relatório bienal conhecido é referente a 2009/2010: segundo noticia o Público, a avaliação de 2011/2012 só hoje será divulgada pelo Ministério da Agricultura, sob a pressão dos últimos acontecimentos.

Um país que tem um pacote legislativo sobre florestas adormecido há meses numa comissão parlamentar.

Um país que tem um órgão com um nome tão pomposo quanto inúteis parecem ser as suas funções: o Grupo de Trabalho para o Acompanhamento da Temática dos Incêndios Florestais foi criado em Outubro de 2016, após os fogos florestais do Verão passado, e desde então só reuniu cinco vezes sem nada ter anunciado.

 

Este país que arde torna-se cada vez mais desigual: dividido entre uma faixa litoral superpovoada e um interior cada vez mais deserto, cada vez mais pobre, cada vez mais esquecido.

Um interior que em certos casos começa a 30 quilómetros das praias da moda, cheias de restaurantes caros e turistas endinheirados, onde o sol não queima: apenas bronzeia.

6 comentários

  • Imagem de perfil

    Pedro Correia 20.06.2017

    Quer que se peçam responsabilidades a quem? Ao São Pedro? Se for o caso, parece estar em linha com o Bloco de Esquerda de 2017, que implora chuva. Mas não está em linha com o Bloco de Esquerda de 2015, que proclamava alto e bom som: «Incompetência do Governo não pode encontrar justificação na meteorologia.»
    http://www.esquerda.net/artigo/incompetencia-do-governo-nao-pode-encontrar-justificacao-na-meteorologia/38148

    Não vou ao ponto de apelar à demissão da ministra Constança Urbano, como faz o Nicolau Santos.
    http://expresso.sapo.pt/opiniao/2017-06-18-Porque-e-que-a-ministra-da-Administracao-Interna-se-deve-demitir
    Mas a senhora escusava de chegar tarde ao local da tragédia.
    E sobretudo escusava de acotovelar o secretário de Estado - que já lá estava há horas - para ficar bem na imagem da TV, ao lado do Presidente da República.
    E já agora podia aprender com o exemplo de Jorge Coelho. Que não precisou de um dia sequer para anunciar a demissão.
    Anunciou-a nessa mesma noite.
  • Sem imagem de perfil

    Luís Lavoura 20.06.2017

    Quer que se peçam responsabilidades a quem?

    Eu sei que aquilo que vou escrever é muito brutal, mas em parte deve-ser pedir responsabilidades aos próprios mortos. Porque meter-se à estrada no meio de um incêndio é coisa altamente arriscada. Porque habitavam em aldeias minúsculas, que é muito difícil proteger eficazmente, no meio de florestas imensas. Pessoas avisadas teriam já há bastante tempo abandonado aquelas terreolas e ido viver para a vila (como vivem os espanhóis). E não teriam tentado fugir ao fogo por estrada, sendo evidente qe uma estrada ladeada de árvores está muito mais exposta ao fogo do que uma aldeia que, tipicamente, tem ao seu redor algumas hortas verdes, que não ardem tão facilmente.
  • Imagem de perfil

    Pedro Correia 20.06.2017

    O que escreveu, na verdade, é "brutal". E parece-me tremendamente injusto, sobretudo porque está a pronunciar-se sobre factos que serão alvo do inquérito já solicitado pelo primeiro-ministro. Factos que de momento nem ele nem eu nem você conhecemos de todo.
  • Sem imagem de perfil

    Luís Lavoura 20.06.2017

    É verdade que eu não conheço todos os factos.
    Mas também é verdade que nenhum inquérito terá a coragem de dizer aquilo que eu disse aqui, mesmo que seja verdade.
    O facto é este: aquelas duas povoações que perderam um terço da sua população tinham, cada uma delas, 30 habitantes. A "estrada da morte" tem, entre as duas vilas, 12 km de comprimento. No redor desses 12 km de estrada há cerca de 12 aldeolas - cada um deles, presumo eu, com cerca de 30 habitantes cada. Eu pergunto qual é o sentido de essas 360 pessoas viverem nesses 12 aldeolas, em vez de irem viver para as vilas? E pergunto, qual é o custo, em termos de combate a incêndios, de ter essas pessoas a viver assim espalhadas pelo território? E qual é o risco de que qualquer uma dessas aldeolas seja comida pelo fogo?
    Em Espanha, nenhuma dessas aldeolas existiria! Em Espanha, o pessoal habita em vilas e desloca-se diariamente de carro às suas propriedades agrícolas. O risco de vilas arderem é muito menor!!!
    Se aquelas pessoas que morreram, em vez de habitarem em aldeolas de 30 pessoas cada, habitassem nas vilas e se se deixassem lá ficar quietas enquanto a floresta à volta ardia, não teria havido nenhum morto - e os bombeiros poderiam ter combatido o incêndio florestal muito mais eficazmente.
    E isto são verdades que nenhum inquérito oficial terá a coragem de denunciar.
  • Sem imagem de perfil

    Miguel Oliveira 20.06.2017

    Lamento muito o seu comentário. Tudo bem do ponto de vista formal: as pessoas deviam ser mais racionais (ou queria dizer que deviam ser menos campónias?) Isto que digo do seu comentário é tão válido e verdadeiro quanto a sua asserção presunçosa de "que nenhum inquérito oficial terá a coragem de denunciar." - a ver vamos - o que não quer dizer rigorosamente nada sobre culpa ou, o que mais parece, desculpar responsáveis directos nas acções de auxílio e orientação em situações destas. Em pânico as pessoas tomam decisões, individual e colectivamente, que não tomariam usualmente. Não conhece os factos, como reconhece e, no entanto, especula sem atentar à ofensa ao princípio que lhe dá oportunidade opiniática: a liberdade de dizer o que lhe dá na real gana. Isto que digo é tão válido quanto a sua liberdade de fazer processos de intenção relativos ao desejo de viver em "aldeolas" e "prejudicar" o estado com as "asneiras" de fugir quando em perigo. Vergonha. Parece-me, pois, demasiado ar condicionado e sofá para sentenças sobre a racionalidade dos outros em situação real de perigo.
  • Comentar:

    Mais

    Se preenchido, o e-mail é usado apenas para notificação de respostas.

    Este blog tem comentários moderados.