Este já não oprime mais ninguém
Aquilo que se convencionou chamar Síria era desde 2011 uma ficção político-jurídica há muito fragmentada em vários territórios com diversas esferas de influência. Era também uma falsa república: funcionava como monarquia absoluta, corrupta e opressora. Com a família Assad no poder desde 1971 - primeiro Hafez (1971-2000), depois o filho mais novo, Bachar, após o falecimento do primogénito. Ambos elegeram a violência extrema contra a população e a implacável perseguição aos opositores como instrumento político.
Este bárbaro regime sobreviveu por um fio à vaga das chamadas "Primaveras árabes" de 2011. Caídos os déspotas da Tunísia, do Egipto, da Líbia e do Iémene, só Assad júnior se aguentou, mantido por conveniência da Rússia, que fez daquela proto-colónia um posto geoestratégico garantindo-lhe um dos cinco ou seis votos incondicionais que Moscovo sempre granjeou em sua defesa e louvor na Assembleia Geral da ONU.
Assad funcionou como fantoche útil de Moscovo até a férrea resistência ucraniana forçar Vladimir Putin a concentrar ali o esforço de guerra, desviando tropa e logística militar para defender Kursk e atacar no Donbass. A sua queda não causa apenas danos políticos e reputacionais à Rússia: também a teocracia de Teerão acaba de sofrer dura derrota ao ver este fiel aliado derrubado pela insurreição popular. Caiu de podre, sem nenhum sírio a defendê-lo na hora da derrocada.
O torcionário deposto serviu o Kremlin enquanto lá estava, mas perdeu utilidade. Dar-lhe guarida por "motivos humanitários", como diz Putin, é retórica vazia de conteúdo. O ditador russo ignora o significado do termo humanitário e manda assassinar com a naturalidade de um capo mafioso. Se quer preservar a pele no exilio de Moscovo, Assad deve abster-se de tomar chá e manfter-se afastado de varandas ou janelas.