Estatística contra-intuitiva
Noutras alturas publiquei alguns posts na área da ciência. Como engenheiro químico, a ciência e a tecnologia fascinam-me, desde a Química e Biologia até às Engenharias. Uma área que contudo habitualmente não me fascina é a Matemática. A Matemática nunca me deixou deslumbrado: nunca fui mau nessa área, mas também nunca tive um interesse particular nela que me levasse a ficar motivado a aprender mais. Aprendi o necessário para poder continuar o meu interesse nas áreas que dela faziam uso, mas não mais. Se a Matemática é a linguagem da Ciência, eu seria como que alguém fascinado em Literatura mas sem interesse em Filologia ou Etimologia (simplificação, eu sei, serve apenas para comparação).
Aparecem no entanto de tempos a tempos alguns casos que se tornam fascinantes do ponto de vista matemático, talvez porque têm sempre uma aplicação prática (parecem ser estes os casos que me fascinam). Um deles é o Problema de Monty Hall. Monty Hall era um apresentador de televisão nos EUA (embora ele fosse originário do Canadá) que tinha um programa chamado Let's Make a Deal. Neste programa os concorrentes eram colocados a certa altura perante a seguinte situação: Monty Hall mostrava 3 portas e explicava que atrás de uma delas estava um carro. Não só um carro qualquer, mas o carro dos seus sonhos, um descapotável vermelho, lindo e potente. Atrás das outras duas portas estariam cabras. O concorrente era então convidado a escolher uma porta.
Depois de o concorrente escolher a sua porta (vamos dizer que era a porta número 1), Monty Hall abriria uma das outras portas. Sendo ele o apresentador e tendo ele perfeito conhecimento do que estava atrás de cada porta, abria sempre uma porta com uma cabra. Neste caso vamos dizer que abria a porta número 3. Teríamos então o cenário de a porta 1 estar escolhida, a porta número 3 ter sido aberta e revelado uma cabra.
Neste momento surgiria a proposta de Monty Hall. Ele convidava então o concorrente a fazer uma escolha. Manter-se na porta número 1 ou mudar a sua escolha para a porta número 2. E é neste momento que deixo a pergunta aos leitores: qual escolha tomariam e porquê? Tenho a resposta abaixo, mas gostaria de saber o que os meus leitores pensam.
Antes de continuar, deixo o meu pensamento quando pela primeira vez me deparei com esta questão. Na altura encarei este problema como semelhante ao de dados ou atirar uma moeda ao ar: independentemente dos resultados anteriores, a probabilidade de qualquer resultado mater-se-ia inalterada. Assim, mesmo que tivessem saído 9 vezes seguidas coroa, a probabilidade de uma moeda (que não estivesse viciada, claro) dar novamente coroa continuaria a ser de 50% (isto apesar de a probabilidade de uma moeda dar 10 vezes seguidas coroa ser ligeiramente 0,1%). O mesmo no caso de um dado. Após 9 vezes seguidas a sair 6, a probabilidade de voltar a sair 6 continuaria a ser de 16.67% (a probabilidade de sair um 6 em 10 vezes seguidas seria de 0.00000165%).
No caso do problema de Monty Hall pensei o mesmo. A escolha anterior não inferiria nada sobre a nova escolha. No vácuo, a primeira escolha oferecia uma probabilidade de 1/3 (ou 33,3%) na escolha da porta contendo o carro. A segunda escolha aumentaria essa probabilidade para 1/2 (ou 50%). Nesse sentido, não faria diferença mudar a escolha ou não. A probabilidade de vencer seria idêntica. Só que não era isso que o artigo que me apresentou pela primeira vez este problema indicava: haver duas escolhas consecutivas mudava as probabilidades. Nas explicações dadas, a probabilidade de vitória (escolher a porta com o carro) manter-se-ia nos 33,3% sem mudança mas aumentaria para 66,7% (2/3) com a mudança de porta.
Desta forma, a explicação é a seguinte. Na primeira escolha, a probabilidade de ter o carro na porta número 1 é de 1/3 e de o ter numa das outras portas é de 2/3 (passo 1 abaixo). Após abrir a porta número 3 (com a cabra) no "bloco 2/3" (passo 2), Monty Hall exclui essa porta e faz com que a probabilidade de 2/3 colapse na porta número 2 (passo 3). Desta forma, a probabilidade de encontrar o carro seja de 1/3 na porta número 1 e de 2/3 na porta número 2. Assim sendo, faz sentido mudar de porta.
Passo 1 | Passo 2 | Passo 3 |
Esta é uma interpretação que escapa à lógica que habitualmente temos, é de certa forma contra-intuitiva. Como pode ser que a probabilidade aumente apenas para uma das possibilidades remanescentes quando uma outra opção é eliminada. Se conseguirmos que um dado elimine um dos lados, a probabilidade de qualquer dos lados sair no próximo lançamento manter-se-à igual para todas as possibilidades. O número 1 não aumentaria subitamente.
A compreensão simplifica se mudarmos a escala. Pensemos no caso de termos 100 portas em vez de 3. Apenas uma porta contém o carro e as restantes contêm cabras. Neste caso, a probabilidade de acertarmos na porta correcta desde o início seria de apenas 1/100, ou 1%. Se Monty Hall então eliminasse 98 portas torna-se mais fácil de perceber que trocar de porta faria sentido. A probabilidade de o carro estar na porta que sobrasse era então de 99/100, ou 99%. Colocando isto visualmente (mas com 10 portas porque sou preguiçoso para o fazer com 100) teríamos o gráfico abaixo.
Passo 1 - escolha da porta | Passo 2 - eliminação de 8 portas |
Penso que se torna assim fácil de compreender o resultado do Problema de Monty Hall. Claro que probabilidades não são certezas. Alguém que decidisse trocar de porta aumentaria as suas probabilidades de vencer de 1/3 para 2/3, mas isso não garante nada. Apenas significa que, em múltiplas tentativas, quem decida trocar de porta acabará por ganhar o carro 2 vezes a cada 3. Mas para um indivíduo, num único episódio do programa, há apenas uma tentativa e nada garante que vença. Quem quisesse ler em Monty Hall a resposta poderia tentar seguir esse método. Quem quisessese acreditar na matemática, trocaria automaticamente de porta.
Isto pode ser verificado também pessoalmente. Basta pegar num baralho de cartas, escolher 2 do mesmo naipe e uma de um naipe diferente, e tentar virar as cartas nesta lógica. Quem o fizer vezes suficiente vai ver que a troca leva mesmo a 2/3 de selecções correctas. Até pode ser um truque interessante para se passar um bocado da próxima vez que os leitores estiverem nalgum evento aborrecido. Fica só a sugestão.