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Delito de Opinião

Esta crise é mais complexa

Luís Naves, 19.09.15

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Em poucas semanas, um fluxo diário de centenas de migrantes transformou-se numa vaga humana de milhares por dia. Como tentei explicar aqui, e tal como aconteceu na crise das dívidas soberanas, os europeus parecem incapazes de se entender sobre o cumprimento das regras que eles próprios estabeleceram, colocando-se os Estados-membros na situação de insensibilidade, se quiserem cumprir a lei, ou de estados irresponsáveis, se tentarem contorná-la.

Os refugiados recusam-se a aceitar o registo obrigatório previsto no Acordo de Schengen e encaram cada país de trânsito como um território de passagem a cujas leis não obedecem. Ultrapassada pelo números, desistindo de acolher e registar os refugiados ao fim de apenas 24 horas, a Croácia (membro da UE, mas fora de Schengen) enviou ontem seis mil migrantes para a fronteira húngara, sem avisar o vizinho, incluindo um comboio repleto que passou um sinal vermelho e atravessou ilegalmente essa fronteira, levando a bordo também quatro dezenas de polícias.

Incidentes como este vão repetir-se numa crise humanitária de consequências imprevisíveis e que nem o Inverno duro dos Balcãs conseguirá travar. Na travessia do Mediterrâneo, a taxa de mortalidade dos refugiados é escandalosa, superior a 0,5%, mas estes números não incluem os que são roubados e batidos pelos contrabandistas. O acordo de Schengen está suspenso em meia dúzia de países e a Alemanha repete nesta crise tácticas que usou contra a Grécia nos momentos mais difíceis dos problemas da zona euro, fazendo ameaças veladas de cortar fundos.

 

Há demasiadas perguntas por responder. Se quer absorver um milhão de pessoas, qual a razão de a Europa não procurar directamente nos campos da Turquia, Líbano e Jordânia, onde há quatro milhões de refugiados em grande carência? É evidente que a acção na fonte, como Londres defende, é a mais sensata. O investimento em larga escala nos campos podia tirar esta migração das mãos das máfias e das redes de traficantes. Não havendo política de imigração comum, como é que os grandes países da UE pretendem impor mais integração em matérias que são de cooperação? E qual é a lógica das críticas à Hungria, o único país que tentou cumprir Schengen, ao procurar proteger a fronteira externa da UE e registar todos os migrantes que ali entraram, cerca de 200 mil? O que fazer quando os refugiados criam o maior pandemónio nos países que atravessam?

 

Esta crise rebenta numa altura em que quatro países europeus vão a votos, ou seja, num momento infeliz para a discussão de assuntos fundamentais. As quotas permanentes não vão funcionar num espaço de livre circulação e a intervenção militar na Síria com tropas no terreno parece ser exactamente o que pretende o Estado Islâmico (EI). Fala-se ainda do perigo de entrada de extremistas, mas o facto é que estes refugiados sírios são na sua maioria vítimas do califado e do regime de Bachar al-Assad; o contingente de fugitivos inclui cristãos e curdos, igualmente do Iraque, mas também afegãos de populações adversárias dos talibãs, nomeadamente Tajiques e ainda Hazaras (estes últimos, xiitas). Também se argumenta que a Alemanha tem necessidades demográficas e que Berlim viu aqui uma oportunidade, mas uma futura política comum europeia de fronteiras, asilo e imigração, sendo adequada para os países grandes (Alemanha, França ou Itália), não fará sentido para os de Visegrad, que têm minorias da sua cultura e língua em nações vizinhas.

A próxima cimeira terá de esclarecer questões imediatas: como ajudar esta gente sem pôr em causa a livre circulação na UE? Cumprir o Acordo de Schengen continua a ser uma obrigação? E se este acordo é um fracasso, como é que ainda não está a ser discutida a sua alteração? E o que se pretende, mais segurança ou mais humanidade?

 

A fotografia é minha, foi tirada dia 7, num campo de recepção de refugiados, na fronteira entre a Hungria e a Sérvia

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