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Delito de Opinião

Escrever bem (ou mal)

Pedro Correia, 25.08.22

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Gostamos imenso de usar palavras em excesso. Vejo isso todos os dias no DELITO. Muitos comentários, assinados ou não, começam com quatro vocábulos inúteis: «Na minha opinião pessoal.» Inúteis por ser óbvio tratar-se de opinião, emitida por quem a escreve. Ainda nada foi dito e a frase já tropeça com peso a mais.

Uma variante desta, tão inútil como a primeira, abunda também por aí, sobretudo no discurso oral: «Eu acho que.» O pronome pessoal é redundante, mas cada vez mais insistente por influência brasileira, em réplica da sintaxe norte-americana. Apetece-me brincar com isto dizendo que temos muita gente com vocação para detective. É vocabulário revelador da nossa estrutura mental: "achar" como débil sucedâneo de "pensar".

 

Edito textos de outros há quatro décadas. Não apenas por missão jornalística (aos 21 anos já era coordenador de secção num semanário, aos 22 era editor), mas habituei-me a "limar prosa" mesmo fora da esfera profissional, combatendo a tendência tão portuguesa para o culto do pleonasmo. 

Esta tendência mantém-se. No advérbio «mesmo», semeado a torto e a direito nas frases, sem nada acrescentar no significado. Não faltando quem repita «é assim mesmo», uma vez e outra. Pode passar na fala, mas é um calhau na escrita.

Idem, para a profusão de pronomes possessivos, de novo por influência brasileira. Aponto sempre, como exemplo supremo da arte de bem escrever, a magnífica frase inicial de Cem Anos de Solidão: «Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía haveria de recordar aquela tarde remota em que o pai o levou a conhecer o gelo.»

Nem uma palavra inútil. Apenas um adjectivo. Os nossos cultores de redundâncias logo enfiariam ali um possessivo a martelo: «O [seu] pai.» Tornou-se erro corrente. 

 

O mesmo sucede com a locução «hoje em dia», exemplo muito comum de desperdício vocabular. Está tudo dito no advérbio inicial - o resto só acrescenta ruído. Ou com a partícula enfática «é que», admissível na linguagem oral, sobretudo na forma interrogativa, mas sem préstimo na escrita excepto se reproduzirmos diálogos.

«É que hoje em dia chove mesmo muito pouco.»

Nesta frase agora inventada por mim encontramos três dos erros estilísticos que anotei. Costumo encontrá-los com frequência em prosa de gente que pretende escrever bem. Até em ficcionistas muito em voga, que vão conferindo argumentos de autoridade a quem "acha" que escrever é só alinhar palavras.

Podem "achar". Mas acham mal.

3 comentários

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    Anónimo 31.08.2022

    O que escreveu deveria ser encaixilhado em quadro da melhor madeira e figurar em destaque num dos melhores museus do mundo! Assim se "fala" em bom Português" haja coragem!
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    Pedro Correia 01.09.2022

    Não é preciso coragem. É preciso algum tempo. E muita paciência.
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