Escola Pública
(Escola Secundária dos Olivais, nos anos 1980s, agora chamada Eça de Queirós e reconstruída)
Consta dos anais familiares que o filho do casal Pimentel sofreu de uma agudíssima nefrite aos seus três anos, causando angústia familiar. Já na convalescença o seu pediatra, o consagrado doutor Abílio Mendes, - que o petiz viria, alguns anos mais tarde, perceber como o homem diante do qual o seu pai assumia a pose mais respeitosa, numa mescla de agradecimento pelos dotes médicos e de anuência à sua postura avessa à "situação" de então -, o doutor Abílio Mendes, dizia, recomendou que a criança fosse criada o mais ao "ar livre" possível. E assim quatro anos feitos foi inscrito no Colégio Valsassina, tanto pela (vera) excelência do ensino ministrado como pela esperada robustez advinda dos ares da magnífica Quinta das Teresinhas. E assim, enquanto os homens novos da sua família partiam para as guerras d'África, medrou, mais ou menos viçoso, jamais o último do pelotão (excepto na traumática mesa alemã, nessa ex aequo com alguns outros coxos medrosos), e nem tanto o primeiro na meta ou no quadro de honra e louvor... Nas vésperas do então notório exame da 4ª classe irrompeu o saudado "25 de Abril" e subsequente imensa agitação. Poucos dias após a "intentona" da "maioria silenciosa", já sem bibe e calções, o rapazola avançou até ao andar térreo do edifício dos "grandes", para cursar o Ciclo Preparatório, o qual cumpriu ali resguardado do PREC circundante.
Depois, Constituição aprovada, "normalidade democrática" (enfim...) encetada, e após oito anos de permanência naquele ninho de saber, ao tal filho do casal Pimentel foi dada paterna "guia de marcha" para se apresentar, logo que possível, na Escola Secundária dos Olivais, então a inaugurar. Para cumprir o obrigatório rumo de encetar o ensino secundário, o então chamado 7º ano. Como o festivo evento estava atrasado o rapaz ainda fruiu o seu Colégio até Janeiro, quando, finalmente, a novel Escola oficial estava pronta e encetou o ano lectivo, pujante no seu chão de material tóxico que alguns anos depois seria substituído.
O menino sentiu a transferência como um descalabro. Deparou-se com um compósito social assustador, a pequenada da zona oriental daquela Lisboa, com a insurreição discente - da qual, alguns anos depois, se tornou agente activo, forma óbvia de se integrar e afirmar - e com a impotência docente. E com pormaiores impressionantes, como o nunca mais ter tido Educação Física, dada a inexistência de um pavilhão ou mero espaço disponível. E da ausência de quaisquer actividades extra-curriculares, às quais estava habituado, ali resumidas a espontâneos campeonatos de flippers na fronteira tasca do Sô Álvaro, onde corriam também taças sub-15 de "submarinos" (o cálice de bagaço dentro das "imperiais"), e as maratonas de ganzas, então fumadas em cachimbos de prata (os invólucros dos maços de tabaco). Tudo isso causou efeitos tremendos nos hábitos laborais e na aprendizagem curricular - ainda que alguns anunciados falhanços fossem ultrapassados pela intervenção doméstica do paterno engenheiro, se em questões "científicas", e da materna (e bilingue) professora, se em questões linguísticas, isto para além dos laivos colhidos na biblioteca caseira. Pois o capital cultural familiar reproduz a estratificação social, aprenderia depois o já pós-adolescente quando estudando ali ao Campo Grande...
Um dia, mais tarde, já homenzito, chaves do Fiat 600 no bolso, cigarro na mão, o filho enfrentou o pai "com que propósito é que me tiraram do Valsassina?, é que aquela escola era uma catástrofe!". O Camarada Pimentel sorriu - naquele seu sorriso algo desanimado diante do mundo imperfeito que não se aperfeiçoa à velocidade tão desejada. E resumiu "Não queríamos que fosses um menino de colégio!"...
O filho do casal Pimentel cresceu. E até amadureceu. Estudou antropologia - "nos Olivais, não ali ao Campo Grande", faz sempre questão de dizer. Depois envelheceu, empobreceu, ensimesmou. E nisso tudo nunca foi um "menino de colégio...".
Obrigado Camarada Pimentel. Obrigado Pai António. Obrigado Mãe Marília.
(Lembrando tudo isto: nesta nossa continuada "normalidade democrática" o político "já-não marxista" Rui Tavares tem a descendência em boas escolas privadas, como refere o Paulo Sousa? Não vejo problema, não vejo contradição radical entre defender uma boa escola oficial e dar o melhor enquadramento possível aos filhos. Nem todos têm de seguir as mesmas concepções de paternidade. E não confundamos a esfera pública e a privada. Pois o problema é o da demagogia nas posições e o da irrealidade das propostas. E o LIVRE é um partido muito demagógico. Nisso até melífluo. Tenhamos fé que as boas escolas façam medrar melhores cidadãos entre as futuras gerações.)
Adenda: não quero provocar ou alimentar polémicas. Mas somando ao que disse escreve-me um amigo, após ler o postal, chamando a atenção para que a mulher do político do LIVRE é uma diplomata. Se outra razão fosse necessária - que julgo não ser - para justificar a colocação dos filhos em escolas de ensino internacional, privadas sempre, esta seria mais do que suficiente.