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Delito de Opinião

Epifanias de ano novo

Paulo Sousa, 01.01.24

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Com umas legislativas marcadas para daqui a uns longos meses e que garantidamente produzirão uma enxurrada adicional ao ruído mediático a que estamos normalmente sujeitos, dei por mim, na madrugada de ano novo, numa conversa com um jovem com quem partilhei uns copos de uma bebida destilada.

Talvez impelido pelo voluntarismo fogoso da idade, notei que o que ele dizia sobre o referido evento eleitoral assentava na busca de uma proposta partidária límpida, sólida e escorreita. Da mesma maneira que quando se dá um pontapé numa bola ou se aperta um parafuso, da mesma maneira que uma acção tem uma consequência, ele procurava uma solução que nos resolvesse os nossos problemas que não vale a pena aqui discriminar para não alongar demasiado o postal.

Fiquei tentado em não lhe cortar as vazas no carácter linear da escolha que procura, mas acabei por ter de partilhar com ele que o cepticismo poderá ser uma excelente arma de defesa da remanescente sanidade mental. Não estou em condições de garantir que o é, pois cada qual terá a sua opinião e chegará à sua conclusão se entender que vale a pensa gastar tempo a pensar nisso. Ainda assim, tenho de confessar que me sinto razoavelmente confortável em andar sempre com uma dose generosa de descrença à mão de semear.

Falamos daquela clássica distinção entre a esquerda e direita baseada na forma como avaliamos a natureza humana, essencialmente boa mas estragada mais tarde pela sociedade, vulgo capitalismo, como defendem os esquerdalhos, ou naturalmente egoísta e que por isso carece de instituições que funcionem como contrapeso a esses impulsos, como acham os direitolas.

Tive de lhe perguntar como é que numa visão de esquerda, pessoas maduras, cheias de mundo e de humanos defeitos, conseguiriam alguma ocupar um lugar num governo, sem terem consciência que eles próprios nunca poderiam encaixar nessa visão idílica de serem essencialmente bons. Nem foi necessário começar a nomear governantes recentes para mostrar que só um alienado pode achar isso de alguém, muito menos das mais destacadas figuras públicas que nos têm tentado apascentar. Mas adiante.

A conversa seguiu e dei por mim a acinzentar-lhe as convicções dizendo que quando votamos, estamos apenas a ajudar a escolher alguém que garantidamente nos irá desiludir. E este pensamento aplica-se não só mas principalmente ao eleitor que vota no partido que irá ser governo. Por isso, não podemos deixar de ter compaixão por aqueles que engrossam as veias do pescoço a defender a pureza de uns ou de outros, especialmente dos que comprovadamente não fazem outra coisa para além de desiludir.

Este jovem interlocutor era novo suficiente para não se recordar de que o final do cavaquismo teve traços em comum com a actual situação, ainda que durante essa era tenha havido uma evolução efectiva das condições de vida dos portugueses. Por isso, e na lógica que defendi, está na hora de nos irmos desiludir com outros, pois já chateia ser desiludidos sempre pelos mesmos. Depois de acabada a garrafa, regressamos à sopa da pedra.

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