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Delito de Opinião

“Enough is enough”, disse May. Mas só agora?

Alexandre Guerra, 05.06.17

Na ressaca de mais um atentado terrorista em Londres, Theresa May, confrontada com aquilo que de pior pode acontecer a um líder político – que é o de não conseguir garantir a segurança dos seus concidadãos –, disse uma coisa extraordinária e reveladora da impotência da chefe de Governo na luta antiterrorista que, como se sabe, é sobretudo feita ao nível da prevenção. “Enough is enough”, disse May à porta do Nº 10 de Downing Street, palavras que só podem causar estranheza pelo timing em que foram proferidas, se atendermos ao histórico sangrento do Reino Unido em matéria de terrorismo. A ideia que transparece é que só agora May chegou à conclusão de que “já é de mais” toda esta violência, que havia uma linha vermelha que só agora foi cruzada pelos terroristas islâmicos. Só agora? Um desastre completo em matéria de “public relations”, já para não falar nas acusações disparatadas às grandes empresas tecnológicas, por, supostamente, permitirem “safe space” para os terroristas difundirem a sua propaganda ideológica através das várias plataformas da Internet.

A questão é que, provavelmente, gigantes como a Google ou a Facebook têm feito muito mais dentro das suas competências e possibilidades do que o Governo liderado por May em matéria de contra-terrorismo. "Blaming social media platforms is politically convenient but intellectually lazy", dizia à BBC News a este propósito, Peter Neumann, director do International Centre for the Study of Radicalisation (ICSR) no King's College de Londres. É claro que muito mais pode ser feito por estas empresas na restrição do acesso por parte dos terroristas às suas plataformas, mas a questão que deve ser ponderada pelas agências anti-terroristas e forças de segurança britânicas é se a estratégia que está a ser seguida é a mais indicada. Existem muitas dúvidas em relação a essa matéria e, apesar de Theresa May já ter anunciado que vai rever a estratégia global contra-terrorista, neste momento, não parece estar à altura dos acontecimentos e vamos ver até que ponto isso não se irá reflectir nos resultados das legislativas de Quinta-feira.

Convém, aliás, não esquecer que May foi Secretária da Administração Interna entre 2010 e 2016, tendo Jeremy Corbyn, líder do Labour, acusado-a de nesses anos ter cortado no financiamento às polícias. A Sky News mostrava esta Segunda-feira de manhã um gráfico arrasador para May, em que mostrava um decréscimo anual do número de polícias durante os anos em que tutelou a Administração Interna. O mesmo Corbyn, juntamente com o líder dos Democratas Liberais, Tim Farron, pressionaram ontem à noite a primeira-ministra para divulgar um relatório sobre os supostos financiamentos aos movimentos jihadistas que operam no Reino Unido. Um documento que devia ter sido apresentado na Primavera do ano passado, mas que até ao momento não saiu da gaveta, tendo, entretanto, o Governo informado que ainda não está pronto para ser divulgado. O problema é que esse relatório incide sobre a Arábia Saudita, um país a quem o Reino Unido vendeu nos últimos dois anos cerca de 3,3 mil milhões de libras em armamento.

Numa altura em que o Reino Unido precisa de um líder forte para enfrentar um dos períodos mais difíceis da sua história moderna, May está demasiado frágil para levar por diante essa combate que é preciso travar. E se na Quinta-feira não conseguir obter, pelo menos, uma maioria com 12 deputados de diferença – que é aquela que existe actualmente, herdada de David Cameron –, a sua força política ficará comprometida e os terroristas verão nisso uma oportunidade para espalhar ainda mais terror.

 

Texto publicado originalmente no Diplomata.

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