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Delito de Opinião

Encher chouriços sem nada para noticiar

Pedro Correia, 27.12.21

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Voltamos ao mesmo em tempo de directos na cobertura de congressos partidários e de foragidos à justiça enfim apresentados ao tribunal: horas intermináveis de apontamentos de reportagem sem conteúdo de espécie alguma.

Nos últimos dias, a CMTV levou esta tendência ao extremo, sem aparente receio do ridículo. Exibindo um plano fixo de uma porta. Os minutos escoavam-se, só as legendas iam sendo alteradas: «Rendeiro está aqui»; «Rendeiro está atrás desta porta»; «Esta porta vai abrir». Pouco antes, destacava-se em rigoroso exclusivo: «Rendeiro já mudou de T-shirt.» Louve-se, ao menos, o procedimento higiénico do senhor.

Toca a encher chouriços, como se diz na gíria jornalística, para compensar inexistentes vestígios de notícia. Fulano X ou Y entra e sai, mantendo-se em silêncio, enquanto uma chusma de jornalistas procura à força extrair-lhe uma frase, uma sílaba, um mero espirro. Acotovelam-se, atropelam-se, chegam a tropeçar em cabos. Isto só cria ruído inútil, tem valor informativo nulo e fornece aos cidadãos uma péssima imagem do jornalismo em geral.

Tudo leva a crer que os directores de informação serão os primeiros a pensar assim. E tudo leva a crer também que só incentivam os repórteres no terreno a comportarem-se desta forma pelo pior dos motivos, muito à portuguesa: «porque os outros fazem, temos de fazer como eles.»

Raras vezes vemos em canais estrangeiros aquilo que é muito comum por cá: microfones estendidos na direcção de governantes ou dirigentes partidários à entrada e saída dos respectivos automóveis. Com as perguntas mais irrelevantes, que em regra suscitam monossílabos sarcásticos ou desdenhosos. Não é esse o momento nem o local para fazer perguntas, quase sempre aos gritos. Como se houvesse um Prémio Gazeta para o jornalista que mais berra.

Estranhamente, assistimos em paralelo à tendência inversa: conferências de imprensa «sem direito a perguntas» – seja na política, seja no futebol. Os repórteres conformam-se com a humilhante condição de pés-de-microfone. Cena aberrante, cada vez mais frequente, quando esse é precisamente o momento em que o jornalista mais tem o direito – que é um dever deontológico – de fazer perguntas.

Se aceitam emudecer, falham na missão.

Porque se acomodam ao silêncio com tanta resignação? Porque não fazem de conta que está ali um político, um alto funcionário, um banqueiro ou um dirigente desportivo a sair do carro?

Enquanto uns se calam, há quem fale quando e onde não devia. Custa aceitar, por exemplo, que a CNN convide o socialista Fernando Medina, candidato colocado no quinto posto da lista do seu partido por Lisboa, para comentar o congresso do PSD. Falando com a isenção e o desinteresse que se imagina.

Mau serviço prestado aos telespectadores pelo novo canal, que assim repete vícios antigos de outras estações. Temos a legítima expectativa de aguardar mais dele.

 

Texto publicado no semanário Novo

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