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Delito de Opinião

Em louvor de Clement Attlee

Pedro Correia, 08.09.17

 Attlee com a mulher, Violet, logo após a vitória eleitoral dos trabalhistas em 1945

 

Clement Richard Attlee (1883-1967) era um homem destituído de carisma. Um esforçado militante de esquerda que, superando inúmeras crises nas suas hostes, alcançou em 1935 a liderança do Partido Trabalhista britânico.

Estavam então no poder os conservadores -- primeiro liderados por Stanley Baldwin, depois por Neville Chamberlain. Quando ocorreu a guerra -- a mais devastadora de todas as guerras -- outro conservador, Winston Churchill, ascendeu à chefia do Governo londrino.

Attlee podia ter-se refugiado na trincheira partidária. Mas não: assumiu uma atitude patriótica, aceitando integrar o executivo liderado por Churchill. Sempre na segunda linha, inicialmente apenas como ministro, depois como vice-primeiro-ministro -- posto até aí inexistente, criado especialmente para ele.

Foi de uma lealdade inquebrantável a Churchill durante os cinco penosos anos de guerra. O governo de unidade nacional -- que integrava ainda os liberais, além dos conservadores e dos trabalhistas -- funcionou sempre como um bloco. Sem que a liderança de Churchill fosse alguma vez discutida, sem que a lealdade de Attlee fosse alguma vez posta em causa.

 

Vencida a guerra, em Maio de 1945, a coligação dissolveu-se e realizaram-se eleições. E os mesmos britânicos que aplaudiram a gestão de Churchill durante o conflito que deixou o Reino Unido depauperado, tanto em vidas humanas como nas finanças públicas, disseram nas urnas que era tempo de confiar a outro político os destinos do país.

Ganhou Attlee, com 47,7%, contra 36% de percentagem atribuída aos conservadores: pela primeira vez o Partido Trabalhista dispunha de uma larga maioria na Câmara dos Comuns. E nos anos seguintes, sob a sua liderança, a esquerda britânica assumiu o poder. Governando com tanta eficácia a Grã-Bretanha em tempo de paz como Churchill a governara nos dias incertos da guerra.

Depois de enterrar os mortos, chegara o tempo de cuidar dos vivos -- como ensinou o nosso Marquês de Pombal. Attlee soube cuidar dos vivos: lançou as bases do Serviço Nacional de Saúde britânico, de base universal e gratuita, alargou a segurança social e delineou um ambicioso programa de habitação pública -- marcos modelares daquilo a que por estes dias chamamos "Estado Social". De tal maneira modelares que Churchill manteve-os inalterados quando regressou ao poder, em Outubro de 1951.

 

Attlee, o político sem carisma, é hoje recordado como um dos melhores primeiros-ministros britânicos de todos os tempos. Quando morreu, em Outubro de 1967, o Guardian acertou em cheio ao prever que a passagem do tempo só engrandeceria a sua figura. Assim aconteceu. Uma sondagem realizada pelo Times em 2010 considerou-o o mais qualificado de todos quantos governaram no século XX.

 

Porquê?

Porque soube agir em dois tempos, conforme as circunstâncias exigiam: baixou bandeiras partidárias quando era esse o seu dever patriótico no momento em que a soberania britânica estava em risco e foi recompensado por isso com dois mandatos sucessivos que lhe permitiram enfim aplicar o seu programa de vastas reformas sociais. Deixando o país numa situação de pleno emprego e a crescer ao ritmo de 3% ao ano.

 

Por vezes lembro-me de Attlee ao analisar o percurso de certos políticos contemporâneos. E concluo sempre que o seu exemplo ganharia em ser seguido por todos quantos, manifestamente equivocados, ambicionam o máximo para o momento seguinte. Como se não houvesse amanhã. Como se o decurso do tempo funcionasse como adversário e não como aliado. Como se a política não fosse sobretudo um exercício inteligente e laborioso de persuasão e persistência. Como se os livros de História pesassem menos do que as manchetes da manhã seguinte.

 

Daqui a um mês, a 8 de Outubro, assinalam-se os 50 anos da morte de Attlee

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