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Delito de Opinião

Eleições em Espanha: dez apontamentos

Pedro Correia, 25.07.23

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Pedro Sánchez e Nuñes Feijóo: doce derrota para um, amarga vitória para outro

 

1. Vitória escassa do PP - primeira deste partido, em eleições legislativas, desde 2015. Alberto Nuñez Feijóo, ex-presidente regional galego e agora líder nacional dos conservadores, recupera 47 lugares no Congresso dos Deputados, subindo de 89 para 136. Mas ainda a 40 da maioria que lhe permitiria governar sem coligação. Nem lhe basta o eventual apoio do Vox, que perdeu 19 assentos parlamentares, caindo de 52 para 33. Desfecho «com o sabor amargo de um penálti falhado», na certeira síntese de Ignacio Camacho ontem no ABC.

 

2. Pedro Sánchez sai derrotado, mas por pouco. Ganha dois deputados: tinha 120, fica com 122. O seu Partido Socialista Operário Espanhol tem fortes hipóteses de voltar a formar governo, embora em condições mais difíceis. Sua parceira natural: a nova agremiação Sumar, que congrega 15 partidos e movimentos distribuídos por 31 lugares no parlamento. Aquém dos 38 antes pertencentes ao Unidas Podemos e dois partidos adjacentes, todos da esquerda radical. E com menos 600 mil votos.

 

3. Para governar, Sánchez necessita não apenas do apoio da ultra-esquerda, claramente escasso, mas também do conjunto das forças separatistas da Catalunha e do País Basco, tanto moderadas como radicais. Com riscos adicionais: estas forças competem entre elas e saem enfraquecidas das urnas, derrotadas pelos socialistas, e proclamarão novas exigências. O PSOE venceu nas quatro províncias catalãs, reforçando ali o seu poder. E foi o mais votado pelos eleitores bascos, que em 2024 voltarão às urnas, desta vez para eleições autonómicas. 

 

4. Se Sánchez for reconduzido como líder do Executivo, esta será a estreia de um partido a governar sem ter vencido as legislativas desde que a democracia foi restabelecida em Espanha, há quase meio século. "Geringonça" à espanhola, oito anos depois da nossa. Quando o modelo português já se extinguiu. 

 

5. Um dos partidos desta provável coligação "Frankenstein", como lhe chamam no país vizinho, é o Bildu. Herdeiro político da ETA, que nunca condenou expressamente os mais de 800 homicídios cometidos pela organização terrorista. 

 

6. A maior novidade neste bloco de forças nacionalistas e separatistas prestes a viabilizar nova legislatura socialista será a inclusão do Juntos Pela Catalunha, partido independentista catalão liderado por Carles Puidgemont, exilado na Bélgica após ter sido condenado em Espanha pelos crimes de sedição, peculato e desobediência.

 

7. Feijóo, que agora levou o PP à vitória em 38 das 50 províncias espanholas, reivindica a oportunidade de formar governo, alimentando a expectativa de que será convocado pelo Rei Filipe VI com esse objectivo, certamente condenado ao fracasso. Sobretudo pela presença tóxica do Vox nessa muito improvável coligação de poder: nenhuma força autonomista dialoga com a ultra-direita, que quer restaurar o Estado centralista e unitário, contrariando a Constituição de 1978.

 

8. O Vox - partido-irmão do Chega, de André Ventura - vê fugir nestas legislativas mais de 600 mil votos. Perde, além disso, dois importantes instrumentos políticos: o direito de apresentar recursos ao Tribunal Constitucional (só permitido a grupos parlamentares com pelo menos 50 deputados) e a apresentar moções de censura (apenas ao alcance de uma bancada com 35 representantes no Congresso). A partir de agora, nem um, nem outro.

 

9. Mas a missão alternativa de Sánchez não será muito mais fácil. Desde logo porque o PP conquistou maioria absoluta no Senado, segunda câmara legislativa. Após uma campanha muito crispada, o diálogo entre os dois partidos é quase inexistente. Se os bloqueios persistirem, serão convocadas novas eleições antes do fim do ano. 

 

10. Desaparecido o Cidadãos - partido liberal que chegou a vencer as autonómicas na Catalunha em 2017 e elegeu 57 deputados nas legislativas de Abril de 2019 - e o Podemos hoje reduzido à irrelevância, os dois maiores blocos políticos, conservador e social-democrata, somam 64,6% dos votos. O bipartidarismo sai, portanto, reforçado das urnas. Mas é um reforço sem pontes, só com trincheiras. Porque os dois partidos parecem cada vez mais reféns dos extremos nesta era tão propícia aos radicalismos. O "bloco central" que reclama o director do jornal digital El Español, Pedro J. Ramirez, está longe do horizonte. Eis um filme sem a menor garantia de ter final feliz.

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