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Delito de Opinião

Eleições à vista

Diogo Noivo, 03.03.16

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Pedro Sánchez, secretário-geral dos socialistas espanhóis, não obteve ontem o apoio necessário para formar Governo. Foi uma sessão plenária tensa e invulgarmente agressiva, mesmo para uma Espanha de sangue quente e fácil de ferver. Ainda há tempo para que os partidos encontrem uma solução governativa, mas tudo indica que Espanha irá novamente a eleições. São 6 as principais razões que explicam o impasse e que reforçam a percepção de novo acto eleitoral no horizonte.

 

1.

Faltou a maioria absoluta. Lá como cá, parece resultar das últimas eleições legislativas a conclusão de que o centro-direita só poderá assumir funções se obtiver a maioria absoluta dos votos expressos em urna. Mesmo vencendo as eleições, mesmo obtendo uma distância confortável do segundo partido mais votado – recorde-se que o PSOE teve o pior resultado eleitoral desde 1977 –, o centro-direita verá vedado o acesso ao Executivo. Independentemente de serem ou não capazes de criar alternativas estáveis, as esquerdas ibéricas assumiram o papel de gatekeepers.

 

2.

O Podemos dificultou (Parte I). Uma das primeiras condições impostas pelo Podemos para apoiar uma solução governativa à esquerda foi a celebração de um referendo sobre a independência da Catalunha. Não só a proposta é flagrantemente inconstitucional, como é inaceitável para o PSOE (por razões históricas, de identidade política e de proximidade ao seu eleitorado).

 

3.

O Podemos dificultou (Parte II). Apesar de ter afirmado repetidas vezes que não discutiria lugares num Executivo nem tão pouco integraria um governo que não liderasse, Pablo Iglesias lançou-se de unhas e dentes ao poleiro. Em conferência de imprensa, o líder do Podemos exige cargos num futuro Governo PSOE-Podemos, nomeadamente a Vice-Presidência e os ministérios da Economia, da Defesa, do Interior (Administração Interna), entre outros. Este cardápio de cadeiras pôs em evidência a enorme hipocrisia de um partido, que embora criticando as “castas” e o sistema, se comporta de forma igual (ou pior) que os demais partidos. Porém, para além da desfaçatez, o grave do caso foi o facto da exigência de poleiros ter sido feita sem consulta prévia ao secretário-geral do PSOE. Ou seja, os socialistas tomam conhecimento das condições do Podemos pela imprensa.

 

4.

Oposição da estrutura socialista a um acordo com o Podemos. Se a exigência de um referendo à independência da Catalunha era suficiente para provocar desagrado nas hostes do PSOE, o reclamar de cadeiras à “má fila” foi entendido como uma humilhação e uma desconsideração insuperável. Por muito que Pedro Sánchez quisesse fazer um acordo com Pablo Iglesias, as sucessivas acções públicas do Podemos tornaram qualquer pacto praticamente impossível.

 

5.

Temor de uma solução à grega. Muito embora a imprensa portuguesa relatasse a vida política em Espanha sob o prisma de uma putativa solução à portuguesa, poucas semanas depois das eleições a conversa em Espanha era sobre uma solução à grega. Da mesma forma que o Syriza eliminou do mapa partidário os socialistas gregos do PASOK, temia-se que o Podemos fizesse o mesmo ao PSOE. Isto gerou apreensão nas fileiras socialistas, mas esse medo sentiu-se também de maneira muito evidente noutros sectores da sociedade espanhola.

 

6.

Ciudadanos não teve peso para ser decisivo. Embora se trate de um partido recente, o Ciudadanos é muito diferente do Podemos, como aliás escrevi aqui. Apoiou sempre o partido designado pelo Chefe de Estado para formar governo: numa primeira fase apoiou Mariano Rajoy e, quando este assumiu não ser capaz de formar governo e o Rei indigitou o secretário-geral do PSOE, o Ciudadanos apoiou Pedro Sánchez. Tanto num caso como no outro, fê-lo salvaguardando medidas que entende serem fundamentais, mas demonstrou sempre um sentido de Estado inatacável. Não defraudou as expectativas do seu eleitorado, mas demonstrou não ter força para desbloquear impasses.

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