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Delito de Opinião

Ele e a avó

Teresa Ribeiro, 20.05.20

Se fosse uma criança, ninguém estranharia tanto desvelo com a senhora sua avó, uma simpática anciã que completou recentemente 89 primaveras. Mas ele passa dos 40. É um homem feito, com uma vida. Tem muitos amigos, conquista-os facilmente, pois é uma pessoa naturalmente empática. E tem uma veia artística, que se transformou na base de muitas actividades em que não raras vezes é o elemento aglutinador: ele canta, toca, faz teatro, não pára quieto e no entanto tem sempre tempo para visitar, mimar, cuidar, daquela avó.

Podia ser um segredo bem guardado, esse amor desmedido que lhe dedica, mas não há qualquer espécie de pudor na sua atitude. Ele adora-a publicamente. Nas redes sociais lá estão selfies dos dois, notícias dos passeios e das patuscadas onde a leva em família.

Em tempo de pandemia, como seria de esperar, tornou-se de uma vigilância tão obsessiva, que me faz sorrir: “Não saias, é perigoso!”, “Não vás, eu vou!”, “Fulano quando te foi visitar usou máscara?”, “Não abras a porta a ninguém!”, diz-lhe quando lhe telefona do escritório.

Derreto-me com este amor tão fora de moda. Com a naturalidade que ele coloca em todos estes pequenos gestos. Como se fosse normal… (Será normal?) Olho à volta, procuro e não encontro exemplos que se aproximem sequer desta vontade de desfrutar até ao limite do possível a companhia de alguém que se sabe ter o tempo contado. Desta espécie de respiração boca a boca que ele lhe faz para a conservar motivada, bem-disposta, contente com a vida.

Em tempo de coronavírus, quando o que está a ganhar força em certos sectores da sociedade é esta miserável onda de darwinismo social que defende como um mal menor o sacrifício dos velhos em prol dos demais, este amor do Hugo pela avó parece, mais que nunca, um adorável anacronismo.

7 comentários

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    Teresa Ribeiro 20.05.2020

    Concordo, Isabel. Mas não é por esse caminho que a cultura dominante, que há muito trata os velhos como empecilhos, nos está a levar...
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    o cunhado do acutilante 20.05.2020

    " este amor do Hugo pela avó parece, mais que nunca, um adorável anacronismo."
    Esse amor mostra uma velhice que passou pela vida estendendo a mão para dar e nunca para receber. Também conheço casos.
    Mas não faça desse caso uma apologia de defesa da velhice contra a ingratidão do mundo, porque também há velhos que só pelo ar que respiram conspurcam o mundo.
    Esses velhos, porcos, sujos que proliferam pelas esquinas com as suadas e sebosas barrigas expostas em torpes e insultuosas insinuações a meninas de quinze anos com idades para serem suas netas.
    Morram e que o Diabo lhes dê guarida.
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    Teresa Ribeiro 20.05.2020

    A vida e as pessoas que estão dentro dela são muito diversas, sim. Mas também a forma como escolhemos vê-las (às pessoas) e vivê-la (a vida). Prefiro olhar para os exemplos que me inspiram.
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    o cunhado do acutilante 20.05.2020

    É a sua opção, de todo, respeitável, e que não permite contestação.
    Mas eu não partilho da mesma, o que desde logo não conta para nada e refiro-a para que, de alguma maneira, possa justificar um pouco a crueza do meu comentário, apenas.
    Já vi tanto e ainda pior, já senti tanto na pele que encaro o mundo numa visão muito alargada. E, surpreendentemente ou talvez não, se na verdade o mundo prima incomparavelmente mais pela maldade do que pela bondade, A grande fatia da condição primeira é precisamente da parte envelhecida que provém.
    Nem imagina os casos hediondos que conheço perpetrados por velhinhos muito "fofinhos", os queriduchos.
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    Anónimo 20.05.2020

    Não precisa de por mais na carta, estes seu dois comentários são suificientemente elucidativos. Chegou a ajustar contas com os seus pais ou ainda lhes guarda rancor?
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    o cunhado do acutilante 20.05.2020

    Não falei para si, ilustre desconhecido.
    Mas para lhe poupar especulações desnecessárias, já que me faz recordar os meus pais, foram pais.
    Sacrificados pais, pais sofredores. Querido pai para quem a vida foi tão cruel. Como te recordo quando aos 35 anos colocaste a gravata preta que nunca mais tiraste e a levaste contigo para a tumba.
    Não devia falar nos meus pais, mas a indelicadeza a par com a ignorância não tem limites, sobretudo quando vem de alguém que joga a pedra e não se sabe quem é.
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