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Delito de Opinião

Efemérides históricas ao tempo da formação de Portugal (14)

Cristina Torrão, 07.09.19

No Verão de 1108, o imperador D. Afonso VI reuniu cortes em Toledo, que acabaram por marcar o fim da sua relação com o genro D. Henrique. Pensa-se que estas cortes terão sido reunidas em Setembro, presume-se que depois do dia 4, já que D. Henrique, nesta data, confirmou um documento particular do mosteiro de Sahagún, o que provavelmente não teria feito, se já estivesse de relações cortadas com o sogro.

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Afonso VI de Galiza, Leão e Castela, imagem daqui.

Depois da morte do infante D. Sancho, em Maio desse mesmo ano, e estando D. Afonso VI em precário estado de saúde (morreria menos de um ano depois), urgia resolver o seu problema de sucessão. O imperador anunciou então a filha D. Urraca sua sucessora, o que não terá agradado a D. Henrique. Não se sabe bem o que se passou, mas é legítimo pensar que o conde portucalense possuiria grandes ambições, depois das mortes do cunhado D. Raimundo e do infante D. Sancho. Afonso VI tinha ainda outro genro: Raimundo IV, conde de Tolosa (ou Toulouse), casado com D. Elvira, irmã de D. Teresa. Raimundo IV, no entanto, sempre se manteve afastado da política da Península, não só por os seus domínios não pertencerem ao território, como também pelo facto de ter passado grandes temporadas na Terra Santa.

O conde D. Henrique era, assim, o único genro de Afonso VI envolvido nas grandes questões hispânicas. E talvez pensasse que deveria ser ele a tomar conta dos reinos do sogro, já que as mulheres eram preteridas em questões de poder. D. Urraca era sua prima direita, pois a mãe da infanta, a falecida rainha Constança, era tia materna de Henrique. Costuma dizer-se que Henrique e Raimundo eram primos, quando, na verdade, eram parentes muito afastados; por outro lado, não se costuma considerar, na nossa historiografia, esta tão próxima relação familiar entre Henrique e Urraca (que não se estende a D. Teresa, filha do mesmo pai, mas de mãe diferente). Será que o conde D. Henrique propôs ao sogro tornar-se no protector da prima, a fim de se elevar a regente dos três reinos (Leão, Castela e Galiza)? A prima era viúva, o filho dela tinha apenas três anos… E teria D. Henrique já o seu sucessor? Já teria nascido D. Afonso Henriques, nesta altura?

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Urraca I de Leão e Castela - Pintura de 1892/94 por José María Rodríguez de Losada na Prefeitura de Leão.

O certo é que sogro e genro cortaram relações. Henrique foi inclusive expulso da corte e denominado traidor por Afonso VI. Algo de muito grave se passou. E isso só pode ter tido a ver com o facto de o conde portucalense não aceitar a decisão de a prima Urraca se tornar na herdeira universal do pai. Nesta sua decisão, Afonso VI teve aliás o apoio dos nobres castelhanos que, no entanto, exigiram que Urraca voltasse a casar. A sua intenção era óbvia: muitos veriam aí a sua chance de se tornarem no próximo esposo da infanta; outros, de ganharem a confiança do felizardo que desposasse a herdeira mais cobiçada da Hispânia.

Henrique não foi, porém, o único a contestar a decisão do imperador. A facção galega, liderada pelo conde Pedro Froilaz de Trava (pai de Bermudo e Fernando) e pelo bispo Gelmírez, não alinhou com os nobres castelhanos. As suas razões eram também óbvias: o conde de Trava tornou-se no Aio do pequeno Afonso Raimundes, filho de Urraca. E o nobre galego era adverso a um novo casamento da infanta, pois considerava que o seu protegido, como neto mais velho de Afonso VI, era o seu herdeiro incontestado. Um outro filho que D. Urraca viesse a ter, de um poderoso nobre castelhano, poderia pôr em causa o futuro do pequeno Afonso Raimundes.

Como se vê, a situação era complicada. E ficá-lo-ia ainda mais, com o casamento entre D. Urraca e o rei D. Afonso I de Aragão, exigido por D. Afonso VI, à altura da morte.

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Quanto a D. Henrique, «banido da corte e considerado como traidor, viu-se afastado do poder. Deve ter sido nessa ocasião que se ausentou da Península para fazer uma viagem ao seu país natal (…) talvez para consultar o seu protector, o abade Hugo de Cluny [seu tio-avô]» (Mattoso 2007).

A data de regresso do conde portucalense à Península levanta vários problemas. Antes, ou depois da morte do sogro, falecido a 1 de Julho de 1109? Tendo-se incompatibilizado com ele, não me parece plausível que viesse assisti-lo na morte. Por outro lado, o abade Hugo de Cluny, que já passara os oitenta, faleceu a 28 de Abril desse ano, deixando D. Henrique, que esperava apoio dele para a sua causa, desolado. Terá regressado logo a seguir à morte do tio-avô? Enfim, é certo que D. Henrique estava na Península durante o Verão desse ano. Teria vindo a tempo de assistir ao nascimento do filho, em Agosto de 1109, em Viseu, como muitos consideram? Mas como poderia ter nascido D. Afonso Henriques nessa data, se é provável que seu pai estivesse ausente da Península, no Outono de 1108, altura em que o filho deveria ter sido gerado?

Como se vê, uma série de perguntas sem resposta. O problema continua por resolver.

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