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Delito de Opinião

Efemérides históricas ao tempo da formação de Portugal (9)

Cristina Torrão, 17.07.19

Teresa, Bermudo e Urraca.JPG

Miniatura medieval representando D. Teresa, ao centro, com sua filha Urraca Henriques e o genro Bermudo Peres de Trava. Manuscrito gótico do mosteiro galego de Toxosoutos (Arquivo Histórico Nacional, Madrid. Tumbo de Toxosoutos, fol.  6v.)

 

Calcula-se que foi em Julho de 1122 que D. Teresa deu a sua filha mais velha, Urraca Henriques, em casamento a Bermudo Peres de Trava. Este consórcio gerou um verdadeiro vendaval no condado Portucalense.

Nesta altura, D. Teresa já tinha perdido muitos apoios, pois os nobres de Entre-Douro-e-Minho nunca aceitaram a influência da família de Trava. Convém, no entanto, fazer aqui um parênteses para explicar que o condado Portucalense, recebido por D. Teresa à altura do seu casamento com D. Henrique, era a junção de dois antigos condados: o Portucalense propriamente dito, que ia sensivelmente até à região do Douro, e o condado de Coimbra, que englobava o restante território, de fronteira sul indefinida, mas pertencendo-lhe ainda o castelo e a localidade de Soure. As terras de Viseu, Seia e Coimbra mantiveram-se fiéis a D. Teresa, pelo que, nos anos que antecederam São Mamede, poderia ter-se verificado a divisão. Para isso, contribuía igualmente o facto de os senhores do Norte, com mais posses e maior poderio militar, desdenharem dos cavaleiros vilãos de Viseu e de Coimbra, alguns deles estrangeiros, antigos companheiros de armas de D. Henrique.

A relação de D. Teresa com Fernando Peres de Trava terá começado à volta de 1120 e, à altura do casamento de Urraca Henriques, os dois tinham já, ou estavam prestes a ter, uma filha. Orientados pelo arcebispo de Braga, os nobres portucalenses acusaram D. Teresa de incesto, já que dava a mão da sua filha ao irmão do seu amante. Acusavam-na aliás de incesto duplo, pois alegavam a própria D. Teresa haver tido um caso com Bermudo Peres de Trava, casando assim a filha com o antigo amante. É, no entanto, provável que esta relação tenha sido inventada, no intuito de danificar ao máximo a reputação de D. Teresa, a fim de a substituir pelo filho, o mais depressa possível.

A pergunta que se põe é: porque patrocinou D. Teresa este casamento? Não previa ela as terríveis consequências? Uma das razões poderá ser precisamente o facto de ela não ter tido relação íntima com Bermudo Peres de Trava. De resto, há que compreender a estratégia de D. Teresa, que aspirava ao reino da Galiza, a fim de ser coroada rainha, título que já vinha usando, com o beneplácito dos nobres portucalenses, e usado igualmente por um papa, numa bula, como tratamento à filha de Afonso VI. D. Teresa planeva englobar nesse reino o condado que lhe pertencia, não admirando, por isso, que visse vantagens na sua aproximação à mais poderosa família galega.

Há indícios de que ela tenha tentado casar com Fernando Peres, anulando o casamento deste; há mesmo quem considere que eles realmente casaram secretamente, numa cerimónia em que o nobre galego terá repudiado a sua primeira esposa. À luz das leis medievais, tal atitude podia ser motivo suficiente para a Igreja anular o consórcio. Ora, tudo isto, aliado ao matrimónio de Urraca com Bermudo, reforçaria a ligação das duas famílias, dando-lhe legitimidade e aumentando a pressão sobre os barões de Entre-Douro-e-Minho.

Como sabemos, o contrário aconteceu, o que não admira muito, tendo D. Teresa dois arcebispos como contraentes: o de Braga e o de Santiago de Compostela. O braço-de-ferro entre a “rainha” e os nobres portucalenses duraria ainda seis penosos anos, até 1128, quando se deu a Batalha de São Mamede.

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