Eduardo Lourenço
Morreu Eduardo Lourenço e a comunicação social explodiu em ditirambos: no Público, por antonomásia o jornal do regime, o homem é “o gigante que nos desvendou Pessoa, Portugal e a Europa” e, no I, “o intelectual que decifrou o enigma português”. Marcelo informou que o finado era “figura essencial do Portugal que vivemos” e Costa recordou “o amigo com quem aprendeu muito”; o Conselho de Ministros decretou luto nacional; e quem é quem no mundo da opinião, conhecida ou discreta, profunda ou superficial, desarrincou textos muitíssimo inspirados.
Claro que nunca escreveu nada que fosse muito lido senão por quem leva a sério lá essas coisas de letra redonda que entende mal, ou fizesse escola, ou estabelecesse doutrina, ou apontasse caminhos que não fossem os da mais chã banalidade no pensamento e na acção. Mas tinha uma receita. Como disse um ignoto comentador no Facebook, essa rede dois dias pejada de citações do vulto desaparecido:
E então, a Ordem dos Psicanalistas já veio dar testemunho do seu pesar? Morreu o confrade que se especializou na homeopatia para a pátria no sofá.
Essa era de facto a especialidade, a par de arroubos líricos em torno da imarcescível alma portuguesa e mergulhos na psique da nacionalidade, consoante os dias e as circunstâncias. Quem tiver dúvidas ou pecados a expiar pode conferir neste repositório de citações.
Pobre homem, talvez não merecesse, pela sua simplicidade, que era provavelmente genuína, o prémio que dá a pátria aos seus próceres da cultura quando morrem velhos: o estatuto de génios retroactivos, em vez de diuturnidades.
Não mereceria talvez, também, estas regras desabusadas porque foi um homem bom o que morreu; e na lavoura do pensamento e da escrita são precisos muitos para que, de longe em longe, um se livre da lei da morte.
Descanse em paz e nós até ao próximo génio que o mundo oficial assim declarar.

