E tudo vai bem
Queixamo-nos, claro. Mas o país vai bem. Nas comemorações de 25 de Abril, o Dr. Ferro garantiu, novamente, que o comportamento dos deputados que acumulam subsídio de deslocação e reembolso de despesas é irrepreensível. É curioso. Na empresa onde trabalho recebo subsídio de alimentação. E quando estou deslocado pagam as refeições comprovadas por facturas. Mas, nesse caso, deduzem o subsídio. É ainda mais curioso porque esta é a prática geral nas empresas e, pasme-se, no Estado. Embirram que não faz sentido acumular subsídio e reembolso de despesas. A própria mulher do Dr. César que, a acreditar na voz do povo, tem de parecer séria, terá muita dificuldade em controlar a risota quando ouve o Dr. Ferro.
É verdade que não convém irritar o Dr. César. Quando o Dr. César e a família entram num bar, a administração pública paralisa. Imagine-se o que seria se o Dr. César enxofrasse e levasse os sobrinhos, os primos e as tias a fazer greve. Mas ver o Dr. Ferro a passar atestados de ética ao Dr. César é o mesmo que ter o Eng. Carlos Santos Silva a auditar as finanças pessoais do Eng. Sócrates.
Aliás, a relação entre os dois continua a surpreender. Nas gravações que a SIC transmitiu, o Eng. Sócrates, além de reconhecer que foi sustentado pelo amigo, afirmou que o Eng. Silva pagava as férias e ele os jantares. Mas como é que faziam? Não, ó Zé, deixa estar, eu pago o jantar. Nem pensar, ó Carlos. Não, ó Zé, pago eu. Não, ó Carlos, pago eu, pá. Pronto, ó Zé, paga lá tu. Ó Carlos, pá, então empresta-me aí umas fotocópias. Era assim? A coisa dos empréstimos é a história mais mal contada depois das pulseiras do equilíbrio. Era mais credível o Eng. Sócrates dizer que a massa vinha de um Príncipe da Nigéria ou assim.
É certo que o país vai bem. Mas há muito a fazer. Uma coisa que impressiona no Processo Marquês é perceber que até as organizações mais dadas à informalidade reproduzem os estereótipos heteropatriarcais. Os fulanos ocupam-se a reconfigurar os sectores público e privado da economia e as senhoras, mesmo as conhecidas activistas da causa feminista, fazem-se de tontas, têm memória de peixe e fazem recados.
Mas o país vai bem. O Dr. Costa prometeu que havia outro caminho e era verdade. Fui pagar impostos numa repartição de finanças perto de casa e nota-se grande evolução. Quase não havia fila. Simpatia e eficiência no atendimento. No caso, foi na PRIO. Mas há relatos semelhantes sobre a GALP, a BP ou a REPSOL. O país vai bem, mas é uma sorte não termos de fazer uma revolução. Com as cativações do Ministro Centeno, os tanques não chegavam a sair do quartel por falta de combustível. E, com a gestão do Ministro Azeredo, nunca se sabe onde andam os lança-granadas.
O país vai bem e o Dr. Rio contribui para isso. Prometeu um banho de ética e, viu-se no caso Feliciano, tem cumprido. Esqueceu-se foi de avisar que o tal banho era um mergulho na praia fluvial de Vila Velha de Ródão logo a seguir a uma descarga da Celtejo. Para além de banho, o Dr. Rio deu ao país um governo-sombra. A média de idades do gabinete é de 60 anos. Para o apoiar, o Dr. Rio nomeou especialistas em comunicação. Cada ministro tem, assim, um porta-avós.
Mas o país vai bem e beneficia da diversidade de posições do Bloco. Diz-se que nos Açores existem as quatro estações num único dia. O Bloco consegue aprovar o Orçamento e criticar as suas medidas na mesma tarde. Não foram só os Simpsons que previram eventos futuros com precisão. Ivone Silva também andou bem quando antecipou que uma personagem faria simultaneamente de patroa e costureira. Sabemos agora que o verdadeiro nome dessa personagem é Catarina Martins. As posições do Bloco são tão contraditórias que, às vezes, dá ideia que a Mariana Mortágua tem uma irmã gémea.
Já o PCP continua igualzinho. Jerónimo entusiasma-se com Cuba. Entre os dois, os irmãos Castro não encontraram um tempinho para organizar eleições democráticas durante mais de 58 anos. Pode ser que Diaz-Canel se lembre de fazer umas ainda durante o século XXI.
Mas o país vai bem. Podia ir melhor? Podia. Mas era preciso que cada português tivesse saúde sem ter de recorrer ao SNS, amor e um amigo como o Eng. Carlos Santos Silva.
* artigo originalmente publicado na edição de Maio do Dia15.